Fomos além de suas planícies, como filósofos ambulantes, perscrutando as mais perigosas, formosas e ásperas montanhas do deserto. A chuva havia dado tempo suficiente para que tudo isso ocorresse, agora que se lançava novamente, era hora de sentar, refletir e descansar. Procurei um lugar que ainda permanecesse seco para nosso descanso, e lá ficamos, fixos naquela esplêndida altitude, observando de uma nova perspectiva o lugar de onde viemos. Dali, tudo o que tínhamos visto antes se tornava uma bela paisagem. Um panorama magnífico em que avistávamos os quatro cantos do deserto se encontrarem com o horizonte; além disso, apenas o radiante céu que gradualmente perdia sua cor. O sol, que já chegara ao seu fim, ainda sussurrava aos nossos olhares — com seus últimos, os mais belos, raios cristalinamente vermelhos — como seria eterna aquela noite. Arrebatando o céu azul, e revelando a nós um miradouro carmesim. Contrasteava os pássaros, aparentes rabiscos, que vagueavam sobre aquela vasta planície, e chamava a atenção para a densa negridão que se formava na garganta dum abismo, a consideráveis metros de distância. Era como uma enorme fissura, um acidental corte, ou uma pequena cicatriz na face da Terra. Mas não deixava de ser o maior dos perigos de nossos descuidos.
A chuva continuava, agora mais calma, enquanto chegava a noite. Produzia um som, uma incessante melodia, acompanhando como uma partitura as estruturas das montanhas; ambientalizando, e transformando, aquele momento numa das mais inesquecíveis memórias de minha vida. Eu, Psique, e o solitário deserto, silenciosos, emitindo histórias em segredo pela textura de cada olhar. Quando a lua surgiu, e se pôs lá no meio do céu, fiz minhas rezas e selei o olhar. Simplesmente recostado numa parte da montanha, que oferecia como um teto, uma de suas caricaturas rochosas. Então adormeci, mergulhando no submundo profundo das memórias. Não sei se eram reflexos do que meu espírito, no mundo real, observava. Mas pareciam bastante verdadeiras para o contexto dos meus sonhos que, geralmente, são uma convulsão de pensamentos sem nenhum nexo. Eu via Psique (como se estivesse acordado) aflito, reprimido pelos trovões daquela noite. Ouvi-lo pela primeira vez, mesmo que em sonho, miar, talvez pedindo por socorro. Eu estava ali, mas não conseguia me mexer, apenas presenciava seu terror, que por fim se transformava num pesadelo para mim também. Eu o via, e ele olhava para mim. Logo então o senti, como se estivesse por baixo de sua pele, e ele olhou para dentro dos meus olhos como se conversasse com tudo aquilo que eu sofria, como um choque, uma ligação diretamente da alma; da psique; dos olhos negros daquele simples gato. Eternos e efêmeros segundos, em que vi, e ressenti, a dor de ser abandonado; e a dor de ter que abandonar.
Psique se virou, lentamente, e me deixou.
O peso de tudo o que estava aprisionado; o medo, a aflição, falou mais alto. Ele se foi, e tudo o que deixou foi apenas um rastro de lembranças e carinhos despedaçados pelo chão.
- Arquivos da Psique
A chuva continuava, agora mais calma, enquanto chegava a noite. Produzia um som, uma incessante melodia, acompanhando como uma partitura as estruturas das montanhas; ambientalizando, e transformando, aquele momento numa das mais inesquecíveis memórias de minha vida. Eu, Psique, e o solitário deserto, silenciosos, emitindo histórias em segredo pela textura de cada olhar. Quando a lua surgiu, e se pôs lá no meio do céu, fiz minhas rezas e selei o olhar. Simplesmente recostado numa parte da montanha, que oferecia como um teto, uma de suas caricaturas rochosas. Então adormeci, mergulhando no submundo profundo das memórias. Não sei se eram reflexos do que meu espírito, no mundo real, observava. Mas pareciam bastante verdadeiras para o contexto dos meus sonhos que, geralmente, são uma convulsão de pensamentos sem nenhum nexo. Eu via Psique (como se estivesse acordado) aflito, reprimido pelos trovões daquela noite. Ouvi-lo pela primeira vez, mesmo que em sonho, miar, talvez pedindo por socorro. Eu estava ali, mas não conseguia me mexer, apenas presenciava seu terror, que por fim se transformava num pesadelo para mim também. Eu o via, e ele olhava para mim. Logo então o senti, como se estivesse por baixo de sua pele, e ele olhou para dentro dos meus olhos como se conversasse com tudo aquilo que eu sofria, como um choque, uma ligação diretamente da alma; da psique; dos olhos negros daquele simples gato. Eternos e efêmeros segundos, em que vi, e ressenti, a dor de ser abandonado; e a dor de ter que abandonar.
Psique se virou, lentamente, e me deixou.
O peso de tudo o que estava aprisionado; o medo, a aflição, falou mais alto. Ele se foi, e tudo o que deixou foi apenas um rastro de lembranças e carinhos despedaçados pelo chão.
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