30 de abril de 2012

Donzela de Gelo

Cegamente volto eu
Ao lar da moça pálida
Petrificada, sem essência

A face já desfigurada
Com lágrimas congeladas
A deixarem os olhos
A ficarem caladas

Enquanto fico a observar
Seu cristalino olhar
E fico a vagar
Em meu lugar de óbito
Até que as tristezas do rio
Suguem todo meu calor
E se faça um buraco no gelo
Bem ao lado do dela
Da minha Donzela
Donzela do Cócito
Amor de Judeca...

29 de abril de 2012

Antithesis Phrenesis XVIII

A paz é uma solução turva
De amor e dor
Sem sangue
     Felicidade
         Ou tristeza
É a sensação do equilíbrio de tudo
A falsa sensação do equilíbrio do mundo.

O colecionador de sonhos II

Confusas placas

Uma vontade gritante de viver o inspirara ontem à noite. Tentara toda a semana ser alguém melhor para si, em vão. Tentara perder os sentidos e configurar-se para receber as bênçãos do futuro, também em vão. Via algo piscar em vermelho na escuridão, era um ponto só, de cor vermelho-alerta. Ali então guardara todo o seu tempo. Ali dividira a vida entre a saúde e a doença, poesia e desgraça. Mas não separara a vida da morte, para ele as duas eram como uma coisa só. Certas vezes, não sabia se respirava ou ofegava, não sabia se se mexia ou relutava, não distinguia o viver. Para ele, vida e morte era uma coisa só. Estava de pé num estado de dormência, não tinha dúvidas, pois sabia o lugar onde queria chegar. Bastava encontrar o caminho; bastava entender a língua das escrituras nas placas das esquinas  a direção das setas. Não tinha dúvidas, tinha apenas um desconforto  um desconforto ao caminhar e ao dormir. Uma decadência em realidade e em sonho. Uma carência de vida, não de ruas vastas e alagadas. Uma carência de vida, não de perguntas.

Uma vontade gritante de viver o inspirara ontem à noite, assim como será hoje, e amanhã.

28 de abril de 2012

Cenário sem nome:..


Chove eternamente
Na dimensão da filosofia
No vazio da vida

Chove incessantemente
Como uma rajada de pregos
Numa paisagem cinza
Num cenário sem nome
Dentre os pilares que sustentam a Terra

Eis que no santuário da sabedoria
Onde ouve-se, além do ruído da chuva
O chiado das aves
Que se escondem e protegem seus ninhos
Do vazio da sina,
Do abismo e dos vales

Chove eternamente
Na paisagem cinza
Que é o vazio da vida

A tenebrosa escuridão
Onde toda luz fora fabricada.

1 de abril de 2012

Caixa de Bailarina

Uma caixa de música
Blindada por uma paixão insegura e única
Imortalizada no coração por um feitiço proibido
   Arde em ferozes convulsões
   De espectrais explosões
   Em reações frias.

Uma caixa de música
Em seu sutil estalar
   E o arquiteto compositor
   Quase numa agalmatofilia
O amor incondicional ao que não tem vida
Tem alma, mas não vida.

Obra-prima, querida filha,
Organizei os traços de cada olhar
Do nascer ao sucumbir
No verso de teu juízo.


Obra-prima, ó querida,
Vais cantar de acordo com os pinos,
A canção de Bach, e de Beethoven.
Vais encantar meus curiosos filhos,
Amantes da música, que ainda te ouvem
Atenciosamente a cada estalar
De nostalgia...


Suspiros...
   Ventania e risos...
Enterra, Tempo, o que já passou
O que restou morreu
Nos dissonantes gritos
Duma tentativa suicida
    Trazê-la de volta à vida
A caixa de bailarina,
Que uma vez foi minha filha.