28 de setembro de 2011

Nigredo - [3]

      "Nossas perdas são estratégias da vulnerabilidade para nos derrubar". Como fotos, dizeres e aparências arquivados em uma praça no passado à qual nunca conseguiremos voltar. Estas "avenidas" da memória, antes palcos de festas, agora nada mais apresentarão do que desconforto e agonia. Lembranças, perdidas, que não mais brilharão, amordaçam as esperanças e rasgam minhas feridas.

       Frágeis e reluzentes estrelas que sucumbiram às trevas.
       Sem pontos no céu, sem rumo na terra.

      Os postes de minha memória se apagaram, e mesmo que o sol a clareie, não voltarei àquelas ruas para procurá-la. Aqueles lugares me assustam tanto quanto uma assombrada casa. São emoções, como touros bravos e fortes, que me machucam.
       Sofro, indignado, atormentado. Perdido neste deserto, no mesmo em que vivi há anos, mas como nunca o vira antes. Queria apenas uma companhia que suprisse tua ignorância. E um cálice que saciaria minha intolerância. Sumiste, talvez, porque fora incapaz de entender minha loucura. Porém, de qualquer maneira, agora não há nem motivação que me proteja da chuva.

- Arquivos da Psique

27 de setembro de 2011

Dilúvio - [2]

Levou a ventania
Tudo o que o tempo deixou
Mas desde que você se foi
Chove há dias

Como pode
Em meu vasto deserto
De montanhas carmesim
Chover há dias?

Mandaste um dilúvio
Em nome de tua glória
Devastar minha memória?
Enganar-te-á em tua escória!

Oh, rochosas pinturas
Famosos rabiscos de dispersos retoques
De nenhuma chama impura
E uma só história

Minhas formosas pinturas
Filhas do deus sol
Não desmanchem aos insultos da chuva
Nem descansem no brilho da lua
Insistam por suas vidas
Crianças do deserto
Não desistam das securas feridas
Que por fim se deem ao inferno!

Chove sobre as montanhas carmesim
Sem vida, em silêncio
Dentro de mim
Onde foi que se dissipou aquele meu mundo
Sem ti?

Antes existisse
Do que colidir com minha saudade...

O deserto sem ti é seco, imenso e deserto.
Exatamente como deveria ser
Mas eu sempre preferi que, ao teu lado,
Fosse apenas uma miragem.

Talvez mandaste o dilúvio para protege-me de mim mesmo, amenizar minha loucura.
Contudo, o fim não foi esse.


- Arquivos da Psique

26 de setembro de 2011

Hai-kai [3]

As flores emudeceram
O jardim não floriu
A morte aplaudiu.

Hai-kai [2]

Sentado na margem do desamparo
Um amigo sentou ao meu lado
Ele era Eu.

21 de setembro de 2011

Caro amor sincero

Não diga que me amas, pois não amas. O brilho de teus olhos não é mais que uma substância ilusória. Teu olhar, inspirado, nada mais é que um teatro. Quer-me preso às tuas teias amorosas? Suponho que não. Mas tudo indica que, de forma astuciosa, tu cedeste à tua paixão, e esta, logo quer-me ver ao chão. Embrulhe-a num papel qualquer e deixe que se dissolva no mar. Só assim, em forma real, teus brilhos e olhares, embora poucos, serão verdadeiros. Não deixes que a paixão apague meus defeitos e transforme-me num príncipe encantado, apenas, deixe-a morrer e o amor falará.

20 de setembro de 2011

Protótipo - [1]

Um gato laranja e magro,

sentado pensante

na margem do seu desamparo.

Laranja e magro, a observar

da superioridade das rochas vermelhas

Algo que lá embaixo se forma, uma miragem.

- Arquivos da Psique

18 de setembro de 2011

Poesia descrita

Se, de tanto escrever, já não entendo mais os espaços que as vírgulas restringem, qual seria o meu entendimento, então, depois de tanto viver?

Velha Casa

       Embora a catarse não tenha atingido, o atormentador espírito do cárcere o deixou. Embora lhe rasgassem o peito com agulhas, traçando os nomes de seus infernos, consta entorpecido, mesmo que no deserto, entorpecido e em paz.

       Dias atrás estivera dentro de um dos seus purgatórios, uma velha casa de madeira. De certa forma, uma infecção, corrompida pelo contágio de fortes energias; interrompida pelas garras da própria sina. Em seu interior ouvia-se um som latejante, efêmero e infinito como de cristais energizados pela lua, que por um toque, soam dias e noites cantando incessantemente como o vibrante "sol" do violão. Velha e bamba casa, que pendia certas vezes para um lado, depois para o outro. Indecidida e suspensa sobre a vida e a morte numa fração irresolvível.
       Entorpecida de dor, temia que tocassem em suas paredes que, contraídas e envergadas, gemiam emitindo um rangido ensurdecedor. Triste e vazia casa, que por um longo tempo fora o lar de um casal. Antes era bela, bem decorada, aconchegante e perfumada. No momento, mal se podia respirar. Era quente e abafada. Enxergar com nitidez também era difícil, o ambiente fazia-se turvo como se um denso gás ali pairasse e embriagasse a todos que nela entrassem; derrubando-os numa depressão melancólica a ponto de arrebatar a vida.
       Caminhava sem medo, com calma, pelo corredor que dava para a sala principal, e consigo, carregava uma garrafa de álcool. No caminho, um dos outros cômodos lhe chamou a atenção. Visitou aquele quarto, parou no tempo e deixou acontecer. Deixou as lembranças acontecerem, como hologramas perfeitos, sobre seu olhar. Deixou-se consumir por um instante, deixou-se levar numa viagem torturadora com altas doses de nostalgia; numa frequência inimaginável. Sentiu a sensação de olhar para trás e querer abraçar tudo aquilo que não era memória, mesmo que por um momento (eterno e descontínuo); de precisar desfazer-se em lágrimas, perder a razão; clamar por suicídio, envolver-se naquele gás mortífero e transformar-se numa partícula. Observava cada movimento, olhar (como se vivesse entre estes), e ouvia cada palavra como se ecoasse de um lugar distante e sombrio do seu consciente. Formas irreais que a cada segundo, com seus gestos e formas, intensificavam a transformação de amor em revolta. Aquelas formas irreais, simplesmente irreais como cristais energizados pela lua, efêmeras e infinitas, aos poucos se deformavam.
       Abaixou a cabeça, enxugou os olhos com as costas das mãos e virou-se devagar. Tornou para a sala, o coração da casa, indiferente de qualquer outro espaço vazio. Pensou um pouco, consternado, e se desfez, libertando todas aquelas lágrimas que aprisionava, aos prantos. Folheou as páginas daquele velho capítulo, revirou a casa de seus pensamentos e, sem hesitar, derramou o álcool em abundância, alagando o chão seco da sala. De repente, uma entre muitas lágrimas, dispersa em seu rosto, escorreu flamejante. Carregada de fortes emoções, mas transparente como todas as outras. Bastou que tocasse o chão, e o fogo nasceu, proliferando-se rapidamente. Chamas enriquecidas de liberdade que consumiam a sala, logo, alastraram-se vorazmente por toda a casa, envolvendo-o também (o prisioneiro que se libertava). O fogo se espalhou e assim envolvia toda a casa que, emitindo ensurdecedores ruídos, aparentemente gritava. Porém, não durou muito, o silêncio gradativo anunciou a chegada do seu fim.
       Queimava ali a velha casa de madeira, infecciosa e doente, que por pouco não devorara o coração de quem nela viveu. A "velha" casa, como um parasita habitando o coração, que infeccionaria dali até a morte.

       "Por mais que o fogo ainda arda dentro de ti, não te deixes abater, pois o inferno já se apagou."

       Embora a catarse não tenha atingido, com o fogo do próprio inferno, deixou cinzas sem lembranças. Mesmo que com malditos nomes costurados no peito, o que importa agora... É continuar em paz...

17 de setembro de 2011

Rubricas Fúnebres

É desanimador saber que minhas confissões desoladas apenas revelam o que muitos não querem entender. É triste perceber que os níveis principais da personalidade foram desocupados de atenção. O que na vida se insere então se muitos se deixam levar pelas falsas irrealizações? Não existem; sim, elas nunca existiram, apenas são fantasmas sinônimos da ausência de fé, ideia a qual asfixia muitos desde então. Fatos desenterrados da própria angústia que, de forma avassaladora, detém a inspiração, a única inteligência incomum entre todas, aquela que num desastre regata todas as suas forças para erguer, mesmo que com frágeis cordas, um edifício destruído da memória. Fatos desenterrados da própria angústia que alimentam, somente e notoriamente, a falta de fé. Talvez não entendam o quão seja destruidor admitir as próprias cinzas, nem mesmo o ardor causado pela inexistência de vivacidade em nossas vidas, porém, cada um que se diz derrotado e infeliz assina, paulatinamente, a cada dia que se passa, a sua própria carta de óbito.

Teia Ideal

As coisas que Deus não preparou para ti, mas que parecem estar em dimensões perfeitas com a tua vida, apenas acontecem como propaganda do diabo, com prazo de validade. Logo se dissiparão como uma imagem na fogueira e, de forma nostálgica, tragarão tua consciência pela dependência do engano por uma verdade. Tê-las a longo prazo custará teu tempo e tua alma. Não te encarceres numa ilusão, nem lamente pela morte da mesma. Se, no espaço, perderam-se, é porque de forma alguma deverão voltar. Pense, reflita, e siga "Emfrente". Pois Deus, num ponto incalculável e mais preciso de teu futuro, já esculpiu o mais belo engenho para a tua vida.

16 de setembro de 2011

Aceitar

Como pássaros que voam para o nunca mais, penso eu, livres seremos cônscios deste "jamais". Tomar consciência de que podemos ser livres no interior das grades, nos permite, pesados como concreto (sem fé), que aceitemos que a leveza do vento seja incapaz de nos carregar. Que, inquestionavelmente, limitemos a expansão do conhecimento, apenas por aceitar, e aceitar.

Irredundante

Descobri no decorrer das mesmas ciladas
Que a repetição da palavra
Consiste em memorizar.

Paraíso Perdido:..



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9 de setembro de 2011

Olhos sobre os olhos

Por que cobiçamos tanto a liberdade exterior se nem a liberdade interior nós conquistamos? Por que lutamos tanto por um título, a fim de reconhecimento, se nem mesmo sabemos quem somos? Por que procuramos endereços em todas as ruas e avenidas sem nunca termos perscrutado o lugar onde moramos; onde estamos confortáveis dentro de nós? Por que os olhos não veem mais do que um traço real? Por que confiam tanto no mundo "leal"? Por que os soterrados olhos da mente, estes sábios, nunca questionaram o porquê de assim ser? Por que, no decorrer do tempo, deixaram em seu silêncio esta realidade tanto valer? Desenterre-os. Pois cada um tem um par de olhos, estes sábios olhos, que precisam ser usados. O que a sociedade há de ser sem eles senão um teatro transparente ao que todos são vendidos? Desenterre-os, ou você será enterrado num cemitério onde jamais poderão ser encontrados. Desenterre-os, só assim verá que a própria superfície é um subterrâneo. Desenterre-os, estes valiosos, os únicos; olhos sobre os olhos, estes que verão a realidade.

O Cárcere: poesia sem luz

Os cantos sobre o quarto, a fraca luz amarela e trêmula; a trêmula, a fraca melodia sobre os teus dedos, tudo isso a desenhar, esboçar com largas curvas e voltas, o ambiente de teus recônditos. Os cantos sobre o quarto; o quarto de escombros. Teus sofridos sentimentos que latejam rente ao peito. As adagas da memória enferrujadas de passado. As foscas palavras encarceradas no anteontem. O cego ambiente de teus recônditos. Tudo isso a lhe pesar sobre o peito e esmagar tuas costelas, consumindo o folego e o teu descanso, lhe torturando sem sequelas. E os cantos sobre o quarto a observarem, silenciosamente, na cama, o contorcer de um corpo, a dor de um câncer a se formar. O acúmulo de palavras não ditas, as palavras malditas, enterradas nas paredes do estômago. Um paradoxo, uma metamorfose, as concretas reminiscências a se revelarem em pequenos frascos de história. Lágrimas marmóreas de inexistência, carentes de um afago amigo. O grito sem função, o som em oculto. Chove em silêncio dentro de ti, e nesta surda tempestade uma chama revoltosa se alimenta de toda a matéria existente, e devora com rebeldia todo o sentimento presente. Abaixo dos olhares dos cantos do quarto, um borbulhar escarlate, um corpo pulsante de amor, ódio, e outras substâncias.

8 de setembro de 2011

Hai-kai [1]

Enaltecidos pela lua
Como luzes piscantes
Os cristais sobre as ondas.

3 de setembro de 2011

Olvido

Cai na escuridão do esquecimento
Aquilo que nunca achou que um dia
Seria apenas frio e neve.

Última poesia para os olhos.

       Que poesia a ti expressariam meus lábios se toda a arquitetura de meus versos provém da inspiração que teus olhos me trazem? Como poderia eu compreender o teu sentimento, se teus olhos para sempre se fechassem? Seria como me despejar na vastidão do espaço sem que eu tenha rastro algum do caminho de volta para casa. Porém, seria isto um modo de dizer que não me quer ouvir, e sim, sentir? Como um convite para que eu me aproxime, e seja banhado pela maré dos teus sentimentos? Ah! Tão bom é sentir-te segura, a esperar, serena sobre esta jangada, neste mar de sensações. Percebes, só de ouvir, que sozinhos estamos aqui. Presenciando a vastidão e a calmaria dos sonhos que foram esquecidos entre o céu e o mar; resgatando a falha existência daqueles que ainda não se foram. E tu, só a sentir, sem com os olhos iluminar a mim.
       Um ponto, dois pontos de vaga essência... E o teu silêncio me atormenta. Não tornará tão cedo abrir teus olhos; pois num ar puro de dormência, espera-me, com paciência. Deixe-me então, aproximar-me. Compreender-te dentre os teus abismos, se é o que queres. Deixe que, neste milésimo entre segundos, eu lhe transporte para o infinito, num só toque, suspiro, em que se traduzem todas aquelas palavras de nossos sentidos. Deixe-me, pelas entrelinhas, costurar com palavras os teus vazios, preencher-te, com um beijo, a alma e o sorriso. Recitar-lhe numa linguagem indecifrável, a mais bela poesia: um beijo; aquele que pode ler nas entrelinhas. E, mesmo que não apareçam a mim, teus olhos muito me disseram palavras encantadoras, as mesmas que agora ponho-me a transmitir-lhe duma forma silenciosa.
       "Um ato de beijar é como ler nas entrelinhas; uma pronúncia silenciosa do que os olhos não disseram." Versos embriagados, talvez até sem sentido, desenhados na pétala de uma flor, que tímida, desabrocha agora lentamente. Abra teus olhos, pois, linda flor.