28 de dezembro de 2012

Contagem regressiva

O olhar no relógio. O suor a descer o rosto. Os segundos, agressivos, a tragarem constantemente o mínimo momento de um indeterminado todo de tua vida.

Infinito Azul

Um eufórico triste; um palhaço perdedor. Assim me senti após assinar um novo contrato com o amor. Ao se passarem os dias, não sei se o céu se tornava mais denso-cinza ou mais límpido-azul. Minhas palavras eram certas; subordinadas de pensamentos inspirados na esperança de cada dia. Eu dizia que a amava; ela dizia que eu a teria; e quanto mais essa luz brilhava, mais convicto a seguia. Eu estava sentado na margem do porto, olhando em direção ao horizonte, onde via as torres; os telhados; o topo das mais diversas construções do paraíso. Eu esperava meu barco. Esperava minha felicidade. Esperava... Esperava... E ainda espero por este nada. Vieram barcos dos mais variados lugares; dos povos mais estranhos. Porém vieram em busca de outros, não de mim.

Um eufórico triste; um escravo da esperança. Prisioneiro dos pretextos para o otimismo. Náufrago no mar das expectativas. Um palhaço perdedor: a esperar seu resgate no posto errado; no momento errado.

Pequeno devaneio escarlate

Equilíbrio de Vênus
Deusa de Marte
Ah, se não fosse pela tua gravidade
Meu mundo não teria claridade
Eu estaria angustiado
Afastado do sol
Num vazio sem dimensões
Perdido num abraço
Em que não há amores nem paixões!

20 de dezembro de 2012

O início do sistema perfeito

O ser humano; o segundo criador
Aquele que sobrepõe e modifica
A seu modo o que deixaram a seu dispor
Quisera domar a natureza e controlar sua perfeição
Para adquirir o trono de rei,
Ser o deus que reparte a Terra
Entre os ideais e a vastidão que não o alegra.

Quisera modificar a única e perfeita dimensão do mundo
Para que com as garras da tecnologia
Construísse a vida mais que perfeita;
De impecável aparência;
De nenhuma irregularidade ou
Fé em esperanças falsas,
Profecias e datas inexatas.

A beleza e a felicidade eram os sentimentos
Existentes desde então
Eram a palavra, o alimento e a graça do viver
Eram o ideal e a paixão
Dos filhos dum pai esquecido
Pai que dera a missão
E fora abortado —
Pelas próprias criações ferido.

O mundo perfeito
Que chegara ao fim antes de seu tempo
Tinha objetivos dispersos no ar
Prontos para serem entregues
A qualquer forma de vida em admirável harmonia
Bastava desejar que podia-se ter; ser
A Terra era o céu
O céu era onde todos queriam estar.

Evidentemente sozinho

Um fantasma esquecido no canto
Um violão desamparado ao lado da cama
Um abajur amarelo coberto dum véu
Uma estante vazia mergulhada na sépia
Uma cabeça perdida
Uma porta em perfeita miséria
A roupa embalada e dobrada em cativeiro
O medo sozinho
O sonho sozinho
A felicidade mantida
Em calabouços de silêncio
A eternidade repreendida
Em verdades oprimidas
A eternidade compreendida
Entre rasgos e feridas
De uma estranha sensação
De sempre, sempre estarmos sozinhos.

28 de outubro de 2012

Conchas

Conchas; cascas
Esculpidas, deformadas
De todas as formas
Controladas
Colocadas; jogadas
Na margem do mundo; da praia
Para viverem; sofrerem
Não entenderem
A imagem nebulosa
A prosa rigorosa
Os espinhos de outrora
Colocadas; jogadas
Na margem do túmulo; da escória
Desencontradas; perdidas
Desesperadas
Com pérolas; sem pérolas
De alma vendida; de carcaça vencida
Outras felizes; outras desiludidas
Mas todas a mesma casca
A mera casca da consciência
Que se for afetada
Retarda; deforma
E desconstrói; e se corrói
E cedo não é a mesma
E cedo está fora de si
E cedo a personalidade morre
E logo a concha morre
Sem saber que sempre fora
Mera consciência dentro
Duma simples casca
Com pérola ou sem pérola

- O Colecionador de sonhos

Anjo das emoções

O anjo das emoções
O jovem menino
A mão no apêndice
A dor; a decepção
O desespero no coração
O fogo; o inferno de ácido no estômago
A fera no esôfago
O jovem garoto
A mão no apêndice.

20 de outubro de 2012

No Éden do pessimismo.

Quem sabe se esta não é minha última poesia?
Quem sabe se este é meu último almoço?
Quem sabe se este é meu último olhar;
Minha última palavra?
Quem sabe o último suspiro;
Quem sabe a última voz.
Quem sabe se estes são meus derradeiros passos em meu último dia?
Quem sabe se esta não é minha primeira poesia?
Quem sabe se este é meu primeiro almoço?
Quem sabe se este é meu primeiro olhar;
Minha primeira palavra?
...

Meu caos

Por ti me apaixonei
Como me apaixonaria por uma noite de jazz e chuva
De caos e ventania
De som e melodia
De fúria e euforia
Por ti me apaixonei
Como me apaixonaria por um apocalipse
Neste exato momento.

Colapso

O colapso dos lábios
Separados; encontrados jogados
Na marca da blusa; no pé da orelha
Na coreografia recordada pelos olhos
Destruídos; encontrados jogados
Na vidraça dos para sempre calados.

Obscuro: o cálculo ideal.

Cantam o derradeiro septeto aos últimos habitantes da Terra
Oh Ópera acompanhada do órgão das lamentações
Conforte-os e acomode-os na escuridão
Dos sonhos desenhados em pétalas
Destruídas pela pigmentação
Da morte que vem cinza
E transforma em pó a vida.

Ah, sangue que não corre mais
Nas veias metálicas da perfeição
Tecnologia infalível nas mãos de poetas
Construtores da mais caótica arte
Alimentada por confianças indiretas
Para estruturar um futuro de escassez
Onde a carne se torna pedra.

Sina fraca
Vida frágil
Em campos de guerras
Violentas; sangrentas
Contra a inteligência vital
De consciência ímpar; emocional.

Vida fraca
Sina frágil
E decisões arriscadas
Em nome do Eu
Que amaldiçoa a vida
E nega carne a quem não herda.

Não há força
Não há mérito
Há quem vaga pelo deserto
"O desequilíbrio mora no espírito do exército;
O desequilíbrio foi atingido com sucesso."

Sem cor
Exala oxidação
A pele vermelha e machucada
Das últimas almas
A permutarem no espaço do imenso vazio
Na garganta do universo.

Cantam o verdadeiro septeto aos últimos filhos da Terra
A Ópera conduzida por ruídos e gemidos
Da vasta constelação de fios
E curto circuitos
Que agora constituem a nova era.

- O céu vermelho

Turbulência

Da turbulência
A decadência
De um bezerro morto
Deixaram-no sozinho
Na escuridão de si mesmo
Para lutar até a morte
Contra o invencível Eu.

Cansado

Estou cansado de mentiras. Cansado da mentira que vivo e que sou. Estou cansado das mentiras que nascem todos os dias junto ao sol no horizonte. Estou cansado de pensar e de enterrar, todas as noites, minhas dúvidas que cedo morrem sem resposta. Estou cansado de não saber do que correr. Não sei o que procurar. Tenho medo de me tornar clichê.

- O Colecionador de sonhos

Eutanásia

Um trago de voz na escuridão, e me apareceram alguns fios de teus cabelos: lisos, longos e suaves. Um gesto rápido e eles se movimentaram, todos juntos, numa ondulação só. Um trago de juízo à beira de um surto, e minhas pupilas se abriram, pude ver tua silhueta e formosura na ausência da luz. Vi metade do teu rosto, pois estavas de costas, a olhar para a janela fechada.  Querias apreciar o luar?  Então traguei meus medos — sim, tive medo de ti — e libertei meus passos. Em frente à janela puxei a tranca, mas não conseguira abri-la. Após algumas falhas tentativas vi que, de fato, não era possível abri-la, agora não mais. Permaneci estático cerca de 10 ou 15 segundos até resolver virar-me para ti; minha cabeça questionava e refletia numa intensidade de estouro e desespero o ato de ir até ali. Quando me virei, notei que a metade que vi do teu rosto era única. Em meio à escuridão tua pele levemente brilhava, mas apenas cobria metade o rosto, a outra metade fora censurada por um vago vazio, não existia. Ora me sentia surpreso, ora triste. — Por que não existias ainda por completo? — Traguei meus sentimentos, meus sentidos e pré-conceitos, e dei dois passos a frente. Passos suficientes para permanecer exatamente face a face contigo. Eu olhava profundamente dentro de teu olho esquerdo até que, assim como uma nuvem a ganhar densidade e forma, tua segunda metade apareceu, e brilhou na mesma intensidade que a outra. Tu estavas quase completa. Faltavam-lhe somente as mãos, pés, e talvez um manifesto de voz. Dei-te então meu tato, olfato e minha audição. E logo tu podias tocar-me, ouvir e caminhar passo a passo. Traguei meus valores e me cedi a ti — àquela obscura e intensa aparição, súbita como a de um fantasma a me perturbar durante as mais sombrias madrugadas, porém, fantasma pelo qual me apaixonei. Cedi a ti tudo o que eu tinha para que pudesse conhecer-te. Cedi a ti tudo o que me cabia. Exceto o mais importante: meu coração. Notei que tu não tinhas calor; era óbvio que eras apenas um espírito a vagar pela meia-noite, mas não me parecias somente isso. Tu me atraíra e assim tinha os meus sentidos, voz, ideias, vontades e medos. Conhecera-me por completo através dos riscos que corri em troca de tua manifestação — e fora tamanha manifestação, seguida de profunda indagação, que pude transmitir-lhe pensamentos — e lembro-me que disse-te: "Agora que tens tudo, por que não pára de olhar para o vazio da janela e olha para dentro dos meus olhos? Tu queres liberdade, mas me prende a ti! Como posso pesar em justiça uma resposta para isso? A única forma seria... Me completar, me completar a ti".

Então, por inteiro, me cedi a ti:

— Trago meu próprio coração em tua virtude, e logo terás calor e liberdade. Terás a mim também, mas de outra forma, já que não poderei, aqui e assim, continuar a existir. Encerro minha história agora, e enterro-me nos recônditos de tua alma, pois, não tenho mãos nem pés, e porto apenas metade de meu rosto. Leve-me para onde quiseres — a paixão pela qual me sacrifiquei te salvou. És livre agora. Tens meus pés para ir afora...

19 de outubro de 2012

Acústico

Pancadas, sons distantes, estrondo, ecos incessantes de palavras mortas, gritos e sussurros procuram razão dentro de minha caótica caixa acústica. Minha boca pouco fala; as palavras se refletem em meus lábios, voltam-se para a caixa e lá são moídas e exterminadas. Meus olhos pouco dizem, são insignificantes, fixam-se no espaço à procura de paz e lógica quando precisam apenas repousar sobre o caótico enredo que se desenvolve e se destrói na mesma história. Insignificantes, não são capazes de perceberem a sutil beleza e liberdade existentes no mundo exterior, querem somente olhar para trás e analisarem o irracional tiroteio livre e se petrificarem com isto. Eu não consigo ignorar. Não consigo ignorar minha ausência exterior. Petrificado e consternado procuro lógica interior, mas vejo apenas a bagunça de gavetas espalhadas por todo o chão e uma infinita papelada com textos onde as frases não tem concordância e sentido, jogada sobre elas. A presença de minha ausência me perturba. A falta de sentido me mantem ausente. A presença de minha ausência me perturba. A falta de sentido me mantem ausente...

- O Colecionador de sonhos

Banalizado

Dizem que espíritos habitam em coisas que as pessoas colocam seus sentimentos. Não é difícil perceber que artistas — pintores, músicos, poetas; entre outras funções — trabalham arduamente para transferir parte de sua alma que será eternizada numa folha de papel, canção ou tela. Eles sentem dor, essa repartição dói; cansa o corpo, porém nem sempre traz o alívio. Certas vezes fragmentar a alma é uma necessidade, tendo seus aspectos bons ou ruins. Alguns artistas, de fato, sofrem o fenômeno de verdadeiramente serem eternizados, seja por grandes e memoráveis obras, ou pela atenção e agrado do público. Outros, diferentes destes, porém tão trabalhadores quanto, são esquecidos e abortados; banalizados. Não é difícil notar esta dura e competitiva realidade, pois qualquer indivíduo que expressa seu sentimento — sua reivindicação ou gratidão — como um trabalho chamativo, significativo e simbólico, sabe as dificuldades que teve para efetuá-lo, e também sabe que poucos notarão seu suor, sua alma, ali exposta na arte. Por este ângulo, não podemos duvidar que essa atmosfera realmente exista. Mas a visão que quero lhe despertar não é esta, óbvia e relacionada a outrem, o que quero lhe mostrar é que todos nós somos artistas, ou melhor: todos nós somos trabalhadores. Não é preciso que alguém pinte uma tela ou escreva uma poesia para repartir e eternizar sua alma. Dia após dia, a vontade que excita e nos faz realizar as tarefas obrigatórias e ainda mais um pouco, é fruto duma manifestação não tão diferente da que vimos anteriormente. As pessoas ainda se mobilizam, mesmo que quase anonimamente, para ajudar, construir, conquistar, doar, proteger, enfim, mobilizam-se por alguma causa e não fazem isso porque são obrigados. Essas pessoas são artistas anônimos de uma obra chamada "mundo melhor", e não são reconhecidas, incentivadas, eternizadas, mesmo que por um ato significante na vida de outrem. Essas pessoas, muitas vezes, tendem a ser banalizadas, e por consequência, se tornarem escassas num lugar que necessita efetivamente delas.

— "Artistas banalizados, que fragmentaram sua alma em trabalhos para os quais não foi dada devida atenção. Artistas que perderam parte de sua alma."

7 de setembro de 2012

Abismo

Entre as obscuras retas que atravessavam o quadro — duas, somente, como fios de sangue em cada extremo da tela — estava a melancólica e densa neblina que infestava aquele vazio por inteiro, com fragmentos que ora se perdiam; ora se revoltavam dentre as massas mais condensadas do centro, recheadas de medo e desespero. Uma forma de terror singular, monótono, que nem sequer as rachaduras da terra seca têm. Escuridão abissal que nem a mais destemida ave pairaria sobre. Um lugar onde nenhum homem em perfeita loucura ousaria aventurar-se ou explorar. Entre essas obscuras retas: um negrume mais escuro que vultos à meia-noite. Abismo infestado de silêncios que ecoam por toda parte. Um abismo na tela, pintado e assinado por Morte.

1 de setembro de 2012

Antithesis Phrenesis XX

Colher afagos
No fim da linha do conhecimento
Onde a razão se incinera
E a existência somente fora a cauda
Dum cometa que nunca mais volta.

Lírio Negro

       Oh, por nossas almas, não poderiam os violinos terem a mesma densidade do olhar? Não que não nos façam deitar os pensamentos sobre um altar de utopias e observar nossas flores a desabrochar. Mas, explico, o que me faz lembrar de uma confortável e sutil presença, resgata também a vasta memória de que a mesma distante está, sem que imagem alguma eu possa concretizar se não a de oceanos e quilômetros que possam nos separar. Para que entendas com clareza, imaginemos um milionário que sempre obtém qualquer bem material que quer, e em sua mansão enclausura tudo o que lhe pertence, até mesmo presentes recebidos pelo imensurável carinho de uma certa natureza do destino. Eu disse "enclausurar", não simplesmente trancar as portas à chave; mas não permitir que de modo algum saiam dali. O medo de perder sempre o aterrorizou, e sempre o perturbou com a seguinte questão: se o homem que uma vez considerado sábio teme o poder das próprias decisões; o que tens tu, então, o imponente magnata aquiridor, que medo ainda tem de perder o que lhe pertence? Isso o debruçara radicalmente sobre o penhasco de uma grosseira conclusão: que aquele homem não era sábio e que ele nada possuía. Agora imaginemos este imponente milionário na pele de um admirador. Ora, por nossas almas, é uma tortura, porém incontestável verdade (após medi-los como tal), admitir que os apaixonados admiradores nada possuem. Por isso suplico — pela inspiração dos meus dons, ou pelo insight do mais dedicado compositor — e imploro por uma canção que me traga a vital magnificência dos olhos encantadores do Lírio que me aprisionou nos sentimentos mais obscuros da psique humana, de tal forma que se não ouvi-la até o amanhecer, morta será dita a flor que na primavera desabrochou — quando (se não me é falsa a memória) fora regada pelos traços subliminares, ainda radiantes, de quem falo.
       Lírio azul, lírio branco ou vermelho, de que me importam as cores que me trazem tal presença se agora só o que vejo é um lírio negro? Amarei este, então, se é assim que posso tê-la no coração; infiel presença que talvez nunca tive; infiel majestade do luar noturno, infiel flor que não se submete a ser apenas um lírio, há de ser, desde quando chegara a este mundo, a essência de todos os lírios. Ah, pelos obscuros contos de Allan Poe, Lírio Negro seria minha Ligéia. Tão forte desejo sua presença que seria capaz de suspender as regras do destino; e por meios metafísicos, forçar sua migração para um corpo mais próximo. Por vezes encontro-me a duvidar de sua existência longe de mim. Poderia ela ser qualquer conhecido, porém ainda não descoberta (ou despertada). Mas esta flor, como Ligéia, não está morta para efetuar um migração para outro corpo. Está apenas distante, além das muitas camadas da parede de sombras que nos separa, na qual essas sombras são as pessoas comuns. Lírio Negro se encontra até mesmo além de minha débil compreensão sobre sua real aparência. Deixo claro, antes que se levantem hipóteses desnecessárias, que não discurso sobre uma personagem fictícia. Lírio Negro existe, e está a viver pelas Terras donde o vinho é mais saboroso. Um vinho que desce fervente ainda que passe por tais gélidos e recheados lábios escarlates de pura delicadeza e maciez, penso eu. Vinho que preenche e enriquece a grande "terra de bois". Ah, novamente fui pego pela intensidade das palavras que tentam descrevê-la. Já me colorem a memória e formam tantas belas artes apenas por tentarem descrever seus lábios em contato com a cor e sabor do vinho! Colorem-na também, ingenuamente, por tentarem contar cada centímetro de distância para chegar à margem de seu país. Colorem-na para que tardiamente eu perceba que a arte que não é observada por atenciosos olhares se desgasta — perde a cor — e não há violinos a resgate, pois, o que me faz lembrar de uma confortável e sutil presença, mergulha-me na vasta memória de que a mesma distante es... Oh, isto é o que significa Lírio Negro.

"Para alguém pra lá do Atlântico."

24 de agosto de 2012

Proibida literatura de Phenrit

De repente cercado me vejo por uma barreira escarlate, simbólica como um pentagrama, quiçá um pacto de sangue efetuado alheiamente por este vermelho que sutilmente escorre ao chão. Vermelho que escorre de minhas pálpebras; cobre minhas pupilas e me cega. Vermelho que se deixa levar pelo leve declive do chão desta obscura sala, que tudo induz ao seu centro, para misturar-se com outra hemoglobina já acumulada neste local. Oh, frágil depressão, caldeirão desta paixão que me cerca; arquiteta desta barreira que só não me faz expressar a dor que sinto porque o pacto já está feito, e o contrato de uma inquebrável amizade assinado.

Fobia de libertar

Larga da minha mão
e foge
Foge do meu olhar.

Prelúdio

Um velho raio de sol
Reflete no doce verde duma folha
Pela qual escorrega uma gota.

Objetivo

Tens um objetivo em mãos. Sabes exatamente para onde queres ir; mas nunca correste só. Nunca largara a mão de quem confias e correste só. Tens um objetivo em mãos, mas apenas uma decisão poderá libertá-lo. Basta acreditar que sabes correr só, e logo saberás correr só.

Desperta-dor

Já pela manhã
Estou inconsequente, em paz
Mas injeta-me a primeira hora do dia
Como sempre, o desperta-dor.

25 de julho de 2012

Sonolência

Uma insondável miragem que surge e causa febre nos olhos, trazendo à mente violentas e incoerentes imagens do passado breve, que adoece, repentinamente, como se a cada instante as loucuras levemente se apagassem e a noite subitamente encerrasse, dando início a outro surto de imagens. Fecham-se os olhos, como sempre, a acreditarem que são o túmulo de alguma fênix.

Vertira

Um fato aos lábios dos olhos
Se diz fato porque é certo
O fato na boca do cálido
Fervente pela emoção sentida
Se diz fato porque fora manipulado
E se faz pálido
Diante de toda multidão
Que o estica e o distorce
Espalhando o fato
Sem saber se realmente foi fato.

- O céu vermelho

Concreto

Obtuso e concreto
A distinguir as teorias das práticas
A descobrir que a razão da vida e da morte
Se dá num resultado diferente de Espírito
A entender "melhor" a ciência
E concluir que cada coisa tem seu lugar
E deixar despercebida a ideia
De que nada, absolutamente nada
É distinto.

- O céu vermelho

Carrossel

Estalidos nostálgicos
Recheados de risadas e aplausos
Ecoam pálidos na caixa
Da mente vidrada.

Olhos de porcelana,
Como detalhados olhos de criança
Congelados por uma "fábula cruel"
Despedaçam-se para deixar,
Talvez, lugar para a razão
Despedaçam-se, talvez,
Para dar olhos a outra criança.

- O céu vermelho

Ingloriosa Majestade

"Ventanias de norte a sul"
Clamam eles
Para que não seja tomada
Sua felicidade
A ser preenchida por culpa e pecado.

"Correntes frias de agreste"
Clamam eles
Para que não sejam esquecidos
Em angústia e desgraça
Em justiça e desprezo.

A carteira sem razão
Agora só alimenta a ilusão
De que cedo ou tarde
Escutados serão pela Majestade

Fogem de sua natureza real
Para ajoelharem e fazerem as preces
Onde está seu deus, agora?

- O céu vermelho

Arcanjo industrial

Canções perdidas com a sirene industrial
Se foram com a salvação vendida
Para uma porção de carnicentos
Com repúdio de uma aberração infernal.

- O céu vermelho

O céu vermelho

O tempo a marcar no relógio sete horas
Os carros a recuarem do dia,
Do centro, intenso de trabalho
É sexta-feira
Apesar da sonolência,
Alguns operários arriscam uma ou duas bebidas
Antes de irem para casa.

Clima quente, depois dum dia chuvoso como este.
Clima quente, depois do dia exaustoso, e do pôr do sol,
Que deixara o céu à deriva das cores.

A cidade agora tem gente
Para gastar o que ganhou
Há quem pague
Pelo preço de quem vende o que sonhou.

O céu vermelho
Meia-noite; os ponteiros no céu
Alguém com medo
Meia-noite e meia
O engenheiro a parar o Carrossel.

Noite e meia, sem carrossel
Só fumo e sonolência
E corpos nus com mel.

- O céu vermelho

19 de julho de 2012

Rota 66

Um tigre sobre quatro rodas
Na estrada do deserto
A 150 quilômetros por hora
Viaja ao som das guitarras
E das palavras
Que se dissolvem no vento
E na cor da aurora.

Amarelo, azul, laranja e rosa
São as cores da prosa
De um céu azul
De um sabor sem forma
Da velocidade ao ruído
Dessas imagens passadas
      Embasadas
Que passam rápido
Até que sua ausência o possa alcançar
A 150 quilômetros por hora.

18 de julho de 2012

Hai-kai [5]

Estranha valsa no gingado das árvores
Que balança os eixos da Terra
Para equilibrar a morte na guerra.

12 de julho de 2012

O fogo que queima é o mesmo que consome

Um grito
No calabouço dos sentimentos ocultos
A ressuscitar o cadáver das sombras
Em couraça de inquebrável ferro

Um grito
A resgatar outros gritos
Inertes no opaco eco do chão
Em couraça de inquebrável ferro

Eis que se inflama a questão
No súbito relâmpago das trevas do pensamento:
Como pretendes, então, ir ao inferno
Sem que ao cálice de sangue
Leve teus lábios sedentos?

Como pretendes, da cela que te protege,
Tocar os delicados pontos do pentagrama e
Inverter o que te julgam errado para fazer o teu certo?

Não há vitória sobre a vingança
A vingança é a vitória
Cujo preço custará os exatos ecos
Que ressuscitaste do chão
Do cemitério oculto
No interior do tórax; do coração sem rumo.

Serás apenas outro grito
A desejar violência
Sem que da couraça saia
Para dançar no inferno.

Incoerência

Um acidente, uma perda
E um filho
Nascido e consagrado a
Deuses ou espíritos
Desconexos, feitos de
Discrepâncias hediondas
Signos de incoerência
Repletos de erros e irreverencias.

Uma perda; um filho
Nascido nas condições erradas
Para ser perfeito para o mundo
A portar habilidades
Estranhas ou inúteis
Tais como refletir
E dominar a tal da arte
De compor e recitar
Quiçá um alerta em desuso.

- O Colecionador de sonhos

11 de julho de 2012

(2C2H6O+9O2=4CO2+12H2O)²

Toneladas de chaga
Com palavras pesadas
Na mente, na alma
De uma veia inflamada
De um corpo queimado
E arrastado pelos ganchos
De uma simples levada
De incoerência e dormência
Dissonância e vapor
De sangue borbulhante
Escaldante calor
Que asfixia — estanca terror
Abaixo de sete meras
Esferas e patamares
De esperança que já se foi.

10 de julho de 2012

Dormência

Certo era que seus dias não abordavam grandes certezas sobre o mundo, mas ainda não suspendera a razão, sabia que ali, talvez bem debaixo de seu nariz, existia algo que ninguém conhecia. Uma peculiar fissura, sutil e delgada, a existir despercebida, recostada onde ninguém perceberia. Fissura esta que já se acomodou e fez-se dormência na cabeça de todo mundo.

- O Colecionador de sonhos

16 de junho de 2012

Antithesis Phrenesis XIX

A bombear infartos
Nas visões erradas
A acústica do diabo:
O teu som por inteiro
Tragado pela dúvida
De um coração calado.

Silêncio

O silêncio não existe, não em vida. Dizem que quando todo som se cessa, o silêncio aparece. Eu discordo: assim como a ausência de uma presença provoca a saudade; a ausência do som provoca ruídos. A própria consciência os produz, pois nunca conheceu algo diferente. Nunca esteve em paz. Nunca ouviu, nem sentiu a morte. Somente descobriríamos o que é o silêncio se os ruídos da vida, ou da própria sina, tragassem nossa audição, porque enquanto ainda reservados, e vivos, conhecemos apenas o que conhecemos.

A bússola de Ifrit

O céu e o infinito estão além de vós. O paraíso, fora de vossa compreensão. Entendeis apenas o que é o inferno, pois coexiste fervilhante em vosso interior. O inferno está dentro de vós; ao redor, as ruínas, e mais distante, o paraíso. Cabe a ti saber como lidar com o teu inferno. — O norte do meu espírito aponta para longe dele.

Partituras do dia a dia

Era incompreendido quase todas as vezes que erguia a voz para falar de suas ideias. Se sentia mal. Não sabia se eram os outros que não entendiam de uma teoria banal, ou se houvera enlouquecido.

Sussurros e ruídos noturnos

Chove enquanto há noite. Os bares estão abertos e as caveiras bebem os homens. O dinheiro destrói as mulheres. O sono não atinge as crianças. A ilusão dá razão aos jovens. A ambição saqueia os cofres. A morte vive a vida. O cigarro traga o velho. O destino joga cartas e aposta a sorte de seus servos. Chove enquanto há noite, enquanto a desordem ama o caos e de mãos dadas vagueiam sobre a cabeça dos tolos — caminham na calçada do juízo sem que trovoada alguma se suceda. Chove, silenciosamente, enquanto há noite, como se todos estivessem dormindo e o dia nunca chegasse.

- O Colecionador de sonhos

Subterrâneo

"Anjos sem asas; andarilhos sem pés; mentiras sem pecado; a fé e o acaso..." — Para onde ecoaram todos aqueles berros? Onde agora estão os seus reis? O Colecionador procura ar e luz neste subterrâneo que o sufoca; procura a voz e argumentos para não acreditar que todo sofrimento e dor ocorrem em vão. Tenta a cada dia encontrar a coerência como se aplicasse conhecimentos matemáticos às coincidências da vida, a fim de perceber qualquer progressão aritmética, ou geométrica. Tenta encontrar o caminho de volta para casa, porém, não se convence de que a realidade nunca o permitirá descobri-lo antes da morte. Tentou até ser normal como aqueles que já abandonaram a verdade e perderam as expectativas, mas não se contenta em ser mera partícula que permuta no espaço. Ele grita os nomes de suas indignações, contudo não sabe para onde ecoam suas palavras, destarte, num breve desespero, diz "Estamos enterrados... Enterrados num submundo onde o objetivo é colher pedras até percebermos que somos apenas colecionadores do que nada vale. Colecionamos sonhos, como essas pedras, a espera do dia em que construiremos um barco para desvendar o que há além do horizonte." O Colecionador procura respostas, revira perguntas, mas sempre encontra a mesma solução, e conclui: "Eu coleciono sonhos porque não há outro meio de sobreviver — não há, além de almejar e acumular coisas."

5 de maio de 2012

O colecionador de sonhos III



Oblívio

Fogos e festa
Noite de cores, praia
E promessas
Na boca dos anjos
Da sépia.

Olhares risonhos
Arpejos tristonhos
Fogueiras, frutas, estrelas
Poesias, cantorias
Fogos e festa
Na boca dos anjos
Que guardariam para sempre
A noite gravada na sépia.

A memória agora está velha
A perder as cores e sons
Daquilo que já foi bom
A perder o tom das flores
O tom de sangue
Do coração dos amantes
Que se amavam na praia
Entre amigos, fogos e festa.

A memória está velha
A perder o horizonte
E a gravidade da sépia
Na escuridão e na paz
Da velhice, e da morte eterna.

...A esquecer os sons
Das palavras queridas
Que lavam a alma e curam feridas
A esquecer as vibrações
De quando se olhou nos olhos pela primeira vez
E segurou as mãos
De quem o fez renascer
E re-entender as dimensões do universo
Que se resumiam somente
E especialmente
Nas palavras "eu te amo para sempre".

A memória agora está velha
Prestes a entregar aos anjos
Os livros duma vida inteira
Sua vasta biblioteca
Dormente em sépia
Dormente em noites
   De euforia
   Fogos e festas.

- O Colecionador de sonhos

2 de maio de 2012

Utopia morta.

"Enquanto a sonolência reina em agressiva decadência, minha irreverente existência alimenta e resiste ao caos mundano. Como a transeunte felicidade, nos efêmeros passos duma ave debilitada, que ainda perto da morte, surge, mas não se faz de verdade."

30 de abril de 2012

Donzela de Gelo

Cegamente volto eu
Ao lar da moça pálida
Petrificada, sem essência

A face já desfigurada
Com lágrimas congeladas
A deixarem os olhos
A ficarem caladas

Enquanto fico a observar
Seu cristalino olhar
E fico a vagar
Em meu lugar de óbito
Até que as tristezas do rio
Suguem todo meu calor
E se faça um buraco no gelo
Bem ao lado do dela
Da minha Donzela
Donzela do Cócito
Amor de Judeca...

29 de abril de 2012

Antithesis Phrenesis XVIII

A paz é uma solução turva
De amor e dor
Sem sangue
     Felicidade
         Ou tristeza
É a sensação do equilíbrio de tudo
A falsa sensação do equilíbrio do mundo.

O colecionador de sonhos II

Confusas placas

Uma vontade gritante de viver o inspirara ontem à noite. Tentara toda a semana ser alguém melhor para si, em vão. Tentara perder os sentidos e configurar-se para receber as bênçãos do futuro, também em vão. Via algo piscar em vermelho na escuridão, era um ponto só, de cor vermelho-alerta. Ali então guardara todo o seu tempo. Ali dividira a vida entre a saúde e a doença, poesia e desgraça. Mas não separara a vida da morte, para ele as duas eram como uma coisa só. Certas vezes, não sabia se respirava ou ofegava, não sabia se se mexia ou relutava, não distinguia o viver. Para ele, vida e morte era uma coisa só. Estava de pé num estado de dormência, não tinha dúvidas, pois sabia o lugar onde queria chegar. Bastava encontrar o caminho; bastava entender a língua das escrituras nas placas das esquinas  a direção das setas. Não tinha dúvidas, tinha apenas um desconforto  um desconforto ao caminhar e ao dormir. Uma decadência em realidade e em sonho. Uma carência de vida, não de ruas vastas e alagadas. Uma carência de vida, não de perguntas.

Uma vontade gritante de viver o inspirara ontem à noite, assim como será hoje, e amanhã.

28 de abril de 2012

Cenário sem nome:..


Chove eternamente
Na dimensão da filosofia
No vazio da vida

Chove incessantemente
Como uma rajada de pregos
Numa paisagem cinza
Num cenário sem nome
Dentre os pilares que sustentam a Terra

Eis que no santuário da sabedoria
Onde ouve-se, além do ruído da chuva
O chiado das aves
Que se escondem e protegem seus ninhos
Do vazio da sina,
Do abismo e dos vales

Chove eternamente
Na paisagem cinza
Que é o vazio da vida

A tenebrosa escuridão
Onde toda luz fora fabricada.

1 de abril de 2012

Caixa de Bailarina

Uma caixa de música
Blindada por uma paixão insegura e única
Imortalizada no coração por um feitiço proibido
   Arde em ferozes convulsões
   De espectrais explosões
   Em reações frias.

Uma caixa de música
Em seu sutil estalar
   E o arquiteto compositor
   Quase numa agalmatofilia
O amor incondicional ao que não tem vida
Tem alma, mas não vida.

Obra-prima, querida filha,
Organizei os traços de cada olhar
Do nascer ao sucumbir
No verso de teu juízo.


Obra-prima, ó querida,
Vais cantar de acordo com os pinos,
A canção de Bach, e de Beethoven.
Vais encantar meus curiosos filhos,
Amantes da música, que ainda te ouvem
Atenciosamente a cada estalar
De nostalgia...


Suspiros...
   Ventania e risos...
Enterra, Tempo, o que já passou
O que restou morreu
Nos dissonantes gritos
Duma tentativa suicida
    Trazê-la de volta à vida
A caixa de bailarina,
Que uma vez foi minha filha.

25 de março de 2012

Astrolabium

Suspensas as evidências
Metricamente taxadas na parede do horizonte
Uma constante nebulosa azul
Que vai de norte a sul
E nos diz, ao estalar dos números
E ao chiar das ondas,
Para onde ficam os montes.

É para onde vou seguir
Na espada ferir minha marca
E dizer a todos
Que tenho um belo lugar a ir.

O navegante e o astrolábio
O poeta do mar
A caminhar sobre as ondas
Como se fossem uma partitura de ensaio.

Espiritual Sakura

No pacífico, rumo ao norte
Doces pétalas de cereja
A bombordo
Ardem intensamente em cor
Abaixo das risonhas luzes
Do estrelado céu azul.

Telhas, tristes telhas

Chove naquela pequena cidade, marcada pelas cinzentas tardes, de casas pequenas. Aconchegantes casas de madeira em que sempre há uma chama, sutil e delicada, alimentada por óleo ou querosene, que arde, ilumina e aquece. Enquanto, do lado de fora, o vento sopra, assobia e resplandece, passando pelas brechas das portas, e das janelas, quase pronunciando palavras num murmúrio breve. Chove na pequena cidade, de pequenas casas, em que choram as telhas. Derramam de suas beiradas cristalinas gotas de tristeza, e de saudade. Choram no silêncio daquela tarde cinzenta, entre as árvores e os jardins de flores, no silêncio de palavras, e no ruído da chuva ao tocar as folhas. Chove naquela pequena cidade, em que o vento canta com mil vozes ao sentir na forma, a melodia das coisas.

17 de março de 2012

Funerário septeto à rosa que portava espinhos

O vento poderia mudar seu rumo,
Mas a direção do barco era a mesma,
Contrária ao que queria o mundo,
Que por partes quebrava meu sentimento.

Nem mesmo aguentara a vela, colada no mastro,
Manter-se "vela"
A força do destino a dissipou
Os remos quebraram, e o mar os levou...

Não entendo como tudo começou,
Mas entendo que no fim
Tudo o que queria era
Voltar para casa,
Onde estaria com ela, minha rosa,
Bela.

Convidara-me certa vez para ser feliz,
E aceitei, como se um desespero no estômago
Comandasse todo o resto de meu corpo.

Mas é certo que o começo
Foi todo um processo anterior
Escrito por deuses
O qual morreu no próprio berço.

Flor, da natureza, flor da terra,
A qual não posso mais regar
Sabes que sou um viajante,
E que mesmo distante irei te amar
Se eu pudesse, carregar-te-ia comigo,
Porém não há vaso que suporte tua nobreza.
Morrerias, flor, e me levarias contigo.

Pensei que assim, por um tempo, a manteria viva
Pois sabemos, todos nós, que a paixão se dilacera
Quando é esticada entre quilômetros.

A mantive viva, a minha flor
Pude amá-la, mesmo distante,
Esperando o dia em que retornaria para regá-la.

Passaram-se semanas, e meses,
E finalmente estava no caminho de volta para casa.
Braços ao remo, pés descalços.
Eu voltava, feliz, à minha amada,
Quando percebo, no mar, na estrada,
Veias em que não corre mais sangue
O sangue vivo de amor, escarlate, de cor
A rosa se encontrara ao chão
Suicidara-se.

Lágrimas surgiram de trás dos meus olhos
O fogo queimava minha alma, que gritava.
A rosa se foi, e deixou apenas seu corpo
Que passei a odiar ante meu orgulho,
Ao longo do tempo.

Morrera, como previsto, a paixão
E com garras puxando o manto do mar
Eu tentava alcançá-la, tanto seu corpo quanto sua alma.
Do corpo eu me deleitaria com imortal vingança
E pela alma eu choraria como uma criança, só para poder abraçá-la
Novamente.

Ceguei meus olhos na própria chama,
Queimei-me por inteiro num banho de fogo com o ódio
Dias e noites passaram
Até que dentre papéis e notas
Alcancei meu ópio.

Tinta jorrada, borrada pelas mãos,
Em papéis que descreviam a morte
 Podre e com cheiro de inferno — como só ela é.

Quando acordei, a paz dissera-me que todo o ódio
Era fabricado pela dor
Da perda de um amor.
Tanto odiei aquele corpo, de rosa, vazio,
Que não me deixei perceber
Como isto não fazia sentido.

A verdadeira rosa havia morrido,
E ao seu corpo devo agradecer,
Apesar de fazer-me sofrer,
Agradecer por toda essa dor
Que invocou os sacerdotes da minha escrita.

Rosa, bela rosa,
Serás sempre aquela com quem a eternidade sonhei
Sempre ao relembrar-te
Causar-me-á tonturas, à beira da loucura.
Sinto que em algum lugar do miradouro,
Feito de nuvens do céu,
Observas a mim como teu fiel e para sempre amado.

Deixo-lhe cartas
Um canto de sete vozes ao som do violino, e
Coloridas flores.

O sol que ilumina e aquece,
Nos trás os primeiros raios da alvorada
O som da luz é leve,
Silenciosa onda de amor.
Quero que descanse em paz
      - Minha flor.

Izabella

Izabella: um nome de guerra
Ou a real essência
Dos versos de paz
Que descrevem a vida?

Eis a questão que não se encerra;
Só nos faz pensar, e pensar
Sobre como cada suspiro de vontade
Dura eternamente sobre sua personalidade.

A voz, um refúgio
   um comando,
Um amanso entre toda energia
Que se choca e funde ao tentar abalar
Sua impenetrável alma
Que vence toda dúvida
Com determinação e calma.

Izabella: um nome de guerra
Ou o templo onde se forja a paciência?
Isso nunca entenderemos
Porém o belo que há
É sinônimo de amar,
Amar a vida
Como a braveza do mar
E a leveza das ondas
Que logo se desfazem na ponta da maré.
Mas sabe-se que lá do fim,
Perto do horizonte,
Vem muito mais.

Sabe-se também que o nome dela
Revoluciona e traz paz
É o que o som da vida traz.
Izabella: ressonância de uma frequência infinita...

Consolo

As lágrimas em minha face secaram,
E o ar que me beija causa um leve frescor.
Um pouco abaixo dos olhos,
Minhas lágrimas secaram
Acostumadas com a torpe dor.

Caminhamos, passo a passo, a cada dia,
Para casa, consolados,
Com a boca de um disperso sorriso.

7 de março de 2012

Um som estático.

Calma,
Pois a calma não tem pressa.
Ela nasce e acaba ali
Num estado de alegria e tristeza
Que não tem pressa.

Nasce e acaba ali
Num som estático
De paz, de duradoura paz,
Que nunca morre.

Calma,
Pois a calma não tem pressa.

Esquizofrenia Narcisista

A febre
do cheiro
e do amor
que acelera o coração
e causa náuseas
como um solo doente
e frenético
de guitarra
que assina ao pé do ouvido
vozes, vozes
de quem já te amou
e cristalinos olhares
que te giram no céu
no ápice da loucura
de uma marca sem data.

A febre
do cheiro
e do tremor
dos soluços que engolem o peito
e que agridem a garganta
num estado nostálgico
de terror
   da náusea
do amor
que acelera o coração
e não pára mais.

6 de março de 2012

Nos antigos tempos

     A fala era bem mais poética nos antigos tempos. Olhávamos um para o outro como quem vê a felicidade passar. Como quem a vê passar diante de seus olhos, e acenar, com um enigmático sorriso no rosto. A luz que atravessava a janela, não era apenas luz, era a porta da inspiração de estava aberta, com alguém a segurando pela maçaneta e chamando com gestos, para que entre, e se sente. A sala da inspiração era quieta, o som por inteiro era do silêncio. As paredes estavam cobertas de um papel verde oliva clara, enfeitado com desenhos, de linhas verticais e pequenos losangos separados ao longo delas, de um tom mais escuro. O carpete do chão era da mesma cor da parede; o sofá, bege, daqueles elegantes e de época. As mesas, e as estantes, eram de madeira pesada. Os livros eram de contos e ideias. A inspiração era a própria sala (luz da janela).
     A fala era bem mais poética nos antigos tempos. Hoje, a distância não nos permite mais os olhares cruzados, não nos permite o tempo e a fala, poética, de amigo. Hoje, essas histórias soam bem mais esquisitas, e quando me ponho a olhar para a janela (e para a luz que a atravessa), vejo ninguém na porta, e sinto a estranha sensação de ter esquecido algo lá dentro, algo não tão valioso... Talvez algum verso daqueles tempos, talvez, a chave essencial para entrar naquele lugar. Algo que deixei lá dentro, da luz; do cômodo da mente; e que sozinho não poderia encontrar, nem sequer passar por aquela porta, que jaz destrancada.
     A fala era bem mais...
                                             ...Algo que não posso mais recordar...

2 de março de 2012

Frágil

Ligações de gelo; laços frágeis
Facilmente quebrados
Por um dedo, por uma data.

Diga-me que fatos são reais.
Então exemplifique-me,
Pois os quadros na parede, e a escada,
São apenas reflexo do homem, e nada mais.

Quero entender, por que chegamos aqui?
Quero saber por que devemos aprisionar um sentido à tudo
Se a vida, tão frágil, nos ensina primeiramente sobre a alma,
Depois vêm os braços e as falas.

Essas suas teorias, tão débeis,
Tão inseguras e escassas,
Enriquecidas de podre intelecto humano,
Apenas acumulam dúvidas infecciosas no ar.

Diga-me que parte deste mundo é real,
Então justifique-me.
Pois aprendemos tudo do nosso jeito.
Quem não diria que um mais um é dois?

Mas aprendemos tudo do nosso jeito,
E só sabemos o que entendemos,
Até que o destino vos decepe a vã ciência.
Até que se dilacere a vã ciência em ligações quebradas

De neurônios, de laços
 - de gelo.

O sentido foi suspenso no universo
Por uma corda frágil,
À qual todos nós nos seguramos
Com todos os músculos da fé.

Nos seguramos ao sentido até que o universo prove o contrário.

1 de março de 2012

Mago poeta III

Movem-se as palavras
Por trás das nuvens
E da fumaça
Dançam envolta do ritual de cinzas
Dançam como labaredas
Ao som do fogo
Ao som do estalar da madeira
Movem-se as palavras
Junto à voz do coro
E dos tambores
Movem-se de letras entrelaçadas
Como uma ondulação só
De fervor e alegria
Por trás das nuvens
- Que escrevem
E da fumaça
- Que recita
O grandioso ritual de cinzas
Do imortal poeta
Do imortal mago, poeta.

Antithesis Phrenesis XVII-2

A forma
   de beijar
que mente em todas as línguas
exceto naquela
   que você não ousa falar.

29 de fevereiro de 2012

Antithesis Phrenesis XVII-1

O tom
    da cor e
    da intensidade
de cada olhar
fere lá no horizonte
    do coração
riscos cheios de sangue
que se confundem
    com o mar
    de lágrimas
    que aguarda para inundar
o mundo fora
dos meus olhos
    num futuro vasto
    em que não se sabe
    a que momento
teu cego olhar
irá me deixar.

25 de fevereiro de 2012

Antithesis Phrenesis XVI

O tempo, depois de nascer, que não se deixa aparecer,

Apenas passa, passa muito rápido.

Como as lágrimas de um bebê, que evaporam

Assim que tocam as primeiras páginas da memória.

18 de fevereiro de 2012

Nostalgia

Os galhos balançam na melodia do vento que esfria a noite e encanta a alvorada. O céu está roxo e vazio. As ondas vêm à praia e voltam ao mar sem propósito. O tempo parou, e para sempre marcará no relógio cinco da manhã. Deixaram espinhos na maré e não guardaram as tuas cinzas. Sinto o teu cheiro, ouço o vento assobiar, olho em volta  e não há ninguém aqui. Deixaram espinhos na maré e não guardaram as tuas cinzas...

17 de fevereiro de 2012

Arquivos sem data

O amanhecer do sul, de um turvo azul-clarinho, traz o frio do oeste; esconde o sol e congela a praia. Traz a paz no ar, e através de sussurros gélidos, inspira a amar. Reconstrói o olhar, pensativo, voltado para o horizonte, onde piscam moribundas, as luzes das plataformas, as luzes do vasto mar. Passaram-se anos desde que estivera comigo, aqui, neste mesmo lugar. Passaram-se anos desde aquele apaixonado beijo. Continuo a recordar: dos teus vivos olhos de ternos cílios; de como aliviava minha solidão e afastava o frio. Lembro os sons, as frases; a serenidade da fala... Lembro estes arquivos sem data.

15 de fevereiro de 2012

Adiantado

O relógio,
Dois minutos adiantado,
Dois minutos mais distante de tudo.

11 de fevereiro de 2012

Pesca

O mar a sustentar os barcos
O vento a desenhar suas velas
A tarde a bocejar
Até as nuvens descansarem
Feche os olhos
Os peixes entrarão em suas celas
Repouse enquanto há tempo
Pois a tarde é calma, e bela.
Feche os olhos, e os peixes
As iscas morderão
Em suas celas entrarão
E tudo ocorrerá bem.
Feche os olhos
Enquanto há tempo
Pois a tarde é bela
E descansa, enquanto há tempo.
O mar a balançar os barcos
O vento a soprar suas velas
A tarde a bocejar
Até as nuvens descansarem
Feche os olhos
E tudo ocorrerá bem...

9 de fevereiro de 2012

Última serenata

Recolheram-se os violinos
Em uma cena de guerra
De escassas palavras.

Os pássaros não mais parecem cantar "eu te amo"
Mas sim "continência e retirada".

Recolheram-se os violinos
E a voz agora só serve para ficar calada
Ao triunfante fim que encerram com beijos
E algumas facadas.

4 de fevereiro de 2012

Podes sempre voltar atrás

Podes sempre voltar atrás enquanto as pegadas e os nomes ainda estiverem guardados na areia. Podes sempre voltar atrás. Mas pensa bem se é isto o que queres, a maré leva tudo o que não segue em frente.

31 de janeiro de 2012

Sorrisos alegres e doces

       Eram gélidos, naquela noite, os traços sem alma que descreviam minha face. Face de pedra, cujos olhos apagados de sono procuravam na leitura de um livro alguma peça do sol que não havia brilhado em meu dia. Sem sucesso, percebi que nem mesmo se desse um tempo aos problemas e soltasse um pouco a gargalhada sem sentido, me sentiria feliz. Pois o sorriso que não tem olhos sorridentes não enxerga a felicidade. Adormeci. E de repente nuvens, negras nuvens narravam com trovões os meus sonhos, e trancavam os céus para os olhos de outro homem, que lá no centro do universo sentia-se vazio. Talvez fosse eu, talvez um fragmento qualquer de meus dias.
       Suas pálpebras cerravam bruscamente sua visão, fechavam-se como se na escuridão do próprio avesso estivesse a solução para suas tristezas, gélidas, que não podiam nem chorar, somente sentir calafrios ao cogitarem entre sorrir ou... lamentar. Eis que de tal negrume absoluto emerge um anjo, talvez sem asas, mas de muita luz, e com olhares que se transportavam, perfeitamente em harmonia com seus sorrisos, para dentro de sua alma. Olhares de cílios que foram desenhados com a mesma delicadeza que se desenha uma flor.
      O anjo o fitava, tinha longos e negros cabelos que repousavam sobre os ombros e outras extremidades do corpo, tinha olhos cor de mel e sorria. O homem a encontrara, no desastre de seus dias, na conturbação de seus sonhos, atrás das próprias pálpebras, e descobrira que a felicidade sorria e tinha a essência da doçura do mel. Ah, linda moça - puro anjo, cujo sorriso cura dores. De traços tão delicados quanto cetim de algodão, nas bochechas e no corpo cujo brilho que exala é a extensão do mais belo arco-íris em dias ensolarados, com chuva cristalina azul. E provenientes destes cristais são as jóias de suas mãos, colares de seu perfeito, de suaves contornos, pescoço. Diamantes de um anjo, duma rainha que sorri doce e alegremente, com sinceridade. De silhueta majestosa e de perfeita beleza; rainha cuja coroa é seu sorriso. Ah, um sorriso que cura dores...

Para Rafaela Lima

29 de janeiro de 2012

Errônea criança

Não tentes ser quem não és. É como dar o presente à criança errada no dia de seu aniversário, e outro dia se conformar de que nada és simplesmente pelo fato de não se presentear.

Concreto

O quarto ainda escuro, na jovem manhã, serviu de inspiração para o pequeno poeta. Ouviu caos e trovões do lado de fora e nenhuma tempestade que transformasse os tetos da casa. Entendeu logo que o ser concreto não se modifica em água, nem suas trancas se abrem ao vinho quando não se sabe se é de álcool ou sangue. O teto de madeira de outra casa encharcou-se e corrompeu-se, ninguém mais sabe o que é, mas uma coisa é certa, só não é de concreto porque os homens que vivem nela embebedam-se em vez de devolver aos anjos as célebres palavras que recebem, de saúde e glória. Só não é de concreto porque dali há muito arrancaram sua porta.

Não falar

   Tumultuaste as avenidas de tua alma como noite de juízo final; caos e desordem determinam o começo à última guerra. As ruas agora parecem lotadas, não com pessoas revoltadas, mas com tuas próprias palavras, aglomeradas e inertes. Palavras que prendem e sufocam no silencioso (e doloroso) ato de não falar; que congelam as lágrimas na presença dos outros, e que entre si brigam dentro de ti. Palavras que gritam, gritam alto até que alguém as escute e possam fugir. Mas o som que vem de dentro do corpo não é mais que um silêncio ricocheteando nas paredes do sentimento, ferindo até encontrar o outro lado.
     Por que insistes então em carregá-las até que não haja mais sangue a escorrer? Por que insistes em ser incapaz e fraco, se isolar? Por que cegar os olhos é a solução, quando realmente existe quem morreria, até duas vezes, por ti? Enquanto o tempo corrói, desgasta-se a memória, e a pele se corta, reproduzindo friamente as imagens que te dizem as tumultuosas palavras.  E a alma a observar, como o corpo é, quando pensa sozinho.
     Falar, não falou, mas se deixou sussurrar pelo eco da bala. E consigo levou, no gatilho da arma, não esperada liberdade, mas o peso das mesmas palavras convertido em correntes de ferro. Faleceste pelo próprio silêncio, de não falar, cuja traição feriu pelo gatilho da arma; pelo sussurro inerte das palavras.

27 de janeiro de 2012

Última alvorada

O sol a esquentar os sorrisos
No brilho dos olhos da manhã
Num amar tarde, sem amanhã.

Hai-kai [4]

O som das conchas do mar
A melodia do mar nas conchas
       A partitura das ondas.

Mago poeta II

Correm-lhe sílabas no teto
Fogem pelos pés
E as palavras encantadas
Correm vivas pelo teto
Manchando as paredes, os cômodos
Ora com lágrimas, ora com sangue
Algumas verdadeiras
Outras de tinta poética
Mas tudo um contraste da arte
Ah, uma bela pintura
De sílabas vivas, correndo no teto
Encontrando na amizade
A poesia.

Do outro lado do Fusumá

Há perfume de cereja no ar
Na mesa de mármore, xícaras de chá.
E o vento a varrer as ideias das árvores.

25 de janeiro de 2012

Antithesis Phrenesis XV

Morremos a cada dia
Que não sonhamos um sonho.
              Morremos a cada sonho
                 Que não sonha mais um dia.

13 de janeiro de 2012

O encerramento para o fim.

Um espírito no espaço
Ou uma chama a se apagar?
Dentre tantas outras formas de morrer
Escolheste desaparecer aos poucos
Não sentir dor, mas se deixar sofrer
Por este leve desespero
De morrer
Sentir na pele a areia corroer
E descobrir; perceber que além dos montes
 De poeira (cósmica)
E das vastas e nebulosas
Explosões (químicas) de alegria
Existe outra forma de viver
Além da angústia e da euforia
Longe de programadas emoções
Algo como pisar em sagradas terras
E não precisar optar
Apenas sentir e respirar
A leveza de viver em paz
Como viver no espaço
E ser mais uma chama a se apagar.

Poesia sem estrofes
Uma crônica sem versos!
A esperar do espaço
Onde vive o nada
Uma chance para o encerramento
O fim mais injusto que se pode ter!
Pois em memorial a tua morte
Não lhe é digno uma pedra
Ou um buraco negro.

Deus lhe deu a vida,
E dessa vida fizeste um cometa atoa;
Enquanto estrelas cadentes morrem em seu lugar,
Enquanto a flor da vida
                 nada mais for que um encerramento para o fim,
Não lhe será digno uma pedra ou um buraco negro.

Antithesis Phrenesis XIV

Cortar as a s a s do poema
Com pontuações rígidas em seus versos
- Não permite que ele voe -
Na mente de quem lê.

11 de janeiro de 2012

Da maca, a visão míope de qualquer ser.

Ah, coisas embaçadas
No teto Deus e no relógio o nada
Os ponteiros não passam
Os amigos não existem
Eu queria estar em casa
Mas a vida me convidou
Para uma conversa na estrada.
Na estrada da vida
Nesta curta estrada
Onde eu amaria mais as simples coisas
Onde eu pensaria mais sobre minhas escolhas
Uma reta delicada, que vai até o horizonte
Feita de detalhes infiéis
Apenas nos orientando pelas turvas cores
Da visão da fé
Da visão certa e míope da fé.

Ah, coisas embaçadas...
No teto Deus e no relógio o nada.
O tempo que não passa.

9 de janeiro de 2012

O olhar está no céu e no céu o nada.

Olhe lá, olhe lá
Estrelas estão no céu
Poetas descrevendo a Terra

Discutem cautelosas
A sussurros, a formação
Da grande fumaça
Que ocupa sua visão!

A noite está acalmada
E as estrelas desesperadas
Sem saberem o porquê
De talvez querermos
Nos separar, eternamente,
Da natureza, e destes poetas...

7 de janeiro de 2012

Na chama de um prazer, renasce o caos de uma vingança.

       Vi nascer, crescer e morrer, o nosso amor. Alguns dizem que é eterno: mesmo que se apague, é possível um dia inflamar-se novamente. Mas o meu se queimou. Pegou fogo. Acompanhei-o durante toda sua vida e, o pior de tudo, após sua morte, permaneci vivo (talvez, para escrevê-lo). Vi-o nascer, crescer e morrer; vi-o queimar na chama de uma irreversível frieza, contorcer-se e derreter. E como sempre, assim como cada ferimento que nos deixa uma justa cicatriz, este me deixou "semelhanças" no ar. Semelhanças de traços iguais àqueles da minha amada - de quando me beijava; e acariciava; iguais a cada olhar e sonho daquele momento, que agora se perde no ar. Semelhanças (ardentes) que quando revividas, trazem consigo o câncer da vingança - no interior da própria chama. E encantam: com o prazer de lhe reviver sorrisos felizes como aqueles. E encantam: com o prazer de trazer-lhe a textura de cada beijo. E, de repente, amortecem todo o sentimento - sem dar chances a novas chamas ou prazeres. O que se passou se esfriou. E o que se passa, antes tão fervente como o próprio presente, também esfria-se, e lhe derruba a enorme angústia de não saber mais no que crer. Estatelado no chão de vidro, do tempo, pensa em como todas essas coisas esmaeceram tão rudemente. Pensa na vida, e na morte - e o pior de tudo - vê-se na escolha entre os dois. Simplesmente por corromper-se com a chama, e confundir-se em pensamentos, frutificando o galho seco, com vingança.

"E, novamente recito, na semelhança com meus velhos prazeres, meus olhos queimei na chama, do caos vermelho e da vingança."

Antithesis Phrenesis XIII

Palavras me fervem
No desespero da manhã
Como se um abutre apodrecido
Repousasse na escada…

Rude verdade, doce mentira, ou eterna conselheira?

Novamente, eis-me aqui, arriscando a poesia em forma de prosa. Percorrendo os perigos do sentido sem a benção da inspiração. Talvez me tenha fugido pela orelha, talvez, corrido como um prisioneiro sem rumo ao ganhar sua liberdade. Mas de que me importa agora? Se no tempo em que a tive em mãos, muito me ensinou sobre a escrita, e como escrever… Então, de que me importa?

Precisa de inspiração quem nunca escreveu.