28 de outubro de 2012

Conchas

Conchas; cascas
Esculpidas, deformadas
De todas as formas
Controladas
Colocadas; jogadas
Na margem do mundo; da praia
Para viverem; sofrerem
Não entenderem
A imagem nebulosa
A prosa rigorosa
Os espinhos de outrora
Colocadas; jogadas
Na margem do túmulo; da escória
Desencontradas; perdidas
Desesperadas
Com pérolas; sem pérolas
De alma vendida; de carcaça vencida
Outras felizes; outras desiludidas
Mas todas a mesma casca
A mera casca da consciência
Que se for afetada
Retarda; deforma
E desconstrói; e se corrói
E cedo não é a mesma
E cedo está fora de si
E cedo a personalidade morre
E logo a concha morre
Sem saber que sempre fora
Mera consciência dentro
Duma simples casca
Com pérola ou sem pérola

- O Colecionador de sonhos

Anjo das emoções

O anjo das emoções
O jovem menino
A mão no apêndice
A dor; a decepção
O desespero no coração
O fogo; o inferno de ácido no estômago
A fera no esôfago
O jovem garoto
A mão no apêndice.

20 de outubro de 2012

No Éden do pessimismo.

Quem sabe se esta não é minha última poesia?
Quem sabe se este é meu último almoço?
Quem sabe se este é meu último olhar;
Minha última palavra?
Quem sabe o último suspiro;
Quem sabe a última voz.
Quem sabe se estes são meus derradeiros passos em meu último dia?
Quem sabe se esta não é minha primeira poesia?
Quem sabe se este é meu primeiro almoço?
Quem sabe se este é meu primeiro olhar;
Minha primeira palavra?
...

Meu caos

Por ti me apaixonei
Como me apaixonaria por uma noite de jazz e chuva
De caos e ventania
De som e melodia
De fúria e euforia
Por ti me apaixonei
Como me apaixonaria por um apocalipse
Neste exato momento.

Colapso

O colapso dos lábios
Separados; encontrados jogados
Na marca da blusa; no pé da orelha
Na coreografia recordada pelos olhos
Destruídos; encontrados jogados
Na vidraça dos para sempre calados.

Obscuro: o cálculo ideal.

Cantam o derradeiro septeto aos últimos habitantes da Terra
Oh Ópera acompanhada do órgão das lamentações
Conforte-os e acomode-os na escuridão
Dos sonhos desenhados em pétalas
Destruídas pela pigmentação
Da morte que vem cinza
E transforma em pó a vida.

Ah, sangue que não corre mais
Nas veias metálicas da perfeição
Tecnologia infalível nas mãos de poetas
Construtores da mais caótica arte
Alimentada por confianças indiretas
Para estruturar um futuro de escassez
Onde a carne se torna pedra.

Sina fraca
Vida frágil
Em campos de guerras
Violentas; sangrentas
Contra a inteligência vital
De consciência ímpar; emocional.

Vida fraca
Sina frágil
E decisões arriscadas
Em nome do Eu
Que amaldiçoa a vida
E nega carne a quem não herda.

Não há força
Não há mérito
Há quem vaga pelo deserto
"O desequilíbrio mora no espírito do exército;
O desequilíbrio foi atingido com sucesso."

Sem cor
Exala oxidação
A pele vermelha e machucada
Das últimas almas
A permutarem no espaço do imenso vazio
Na garganta do universo.

Cantam o verdadeiro septeto aos últimos filhos da Terra
A Ópera conduzida por ruídos e gemidos
Da vasta constelação de fios
E curto circuitos
Que agora constituem a nova era.

- O céu vermelho

Turbulência

Da turbulência
A decadência
De um bezerro morto
Deixaram-no sozinho
Na escuridão de si mesmo
Para lutar até a morte
Contra o invencível Eu.

Cansado

Estou cansado de mentiras. Cansado da mentira que vivo e que sou. Estou cansado das mentiras que nascem todos os dias junto ao sol no horizonte. Estou cansado de pensar e de enterrar, todas as noites, minhas dúvidas que cedo morrem sem resposta. Estou cansado de não saber do que correr. Não sei o que procurar. Tenho medo de me tornar clichê.

- O Colecionador de sonhos

Eutanásia

Um trago de voz na escuridão, e me apareceram alguns fios de teus cabelos: lisos, longos e suaves. Um gesto rápido e eles se movimentaram, todos juntos, numa ondulação só. Um trago de juízo à beira de um surto, e minhas pupilas se abriram, pude ver tua silhueta e formosura na ausência da luz. Vi metade do teu rosto, pois estavas de costas, a olhar para a janela fechada.  Querias apreciar o luar?  Então traguei meus medos — sim, tive medo de ti — e libertei meus passos. Em frente à janela puxei a tranca, mas não conseguira abri-la. Após algumas falhas tentativas vi que, de fato, não era possível abri-la, agora não mais. Permaneci estático cerca de 10 ou 15 segundos até resolver virar-me para ti; minha cabeça questionava e refletia numa intensidade de estouro e desespero o ato de ir até ali. Quando me virei, notei que a metade que vi do teu rosto era única. Em meio à escuridão tua pele levemente brilhava, mas apenas cobria metade o rosto, a outra metade fora censurada por um vago vazio, não existia. Ora me sentia surpreso, ora triste. — Por que não existias ainda por completo? — Traguei meus sentimentos, meus sentidos e pré-conceitos, e dei dois passos a frente. Passos suficientes para permanecer exatamente face a face contigo. Eu olhava profundamente dentro de teu olho esquerdo até que, assim como uma nuvem a ganhar densidade e forma, tua segunda metade apareceu, e brilhou na mesma intensidade que a outra. Tu estavas quase completa. Faltavam-lhe somente as mãos, pés, e talvez um manifesto de voz. Dei-te então meu tato, olfato e minha audição. E logo tu podias tocar-me, ouvir e caminhar passo a passo. Traguei meus valores e me cedi a ti — àquela obscura e intensa aparição, súbita como a de um fantasma a me perturbar durante as mais sombrias madrugadas, porém, fantasma pelo qual me apaixonei. Cedi a ti tudo o que eu tinha para que pudesse conhecer-te. Cedi a ti tudo o que me cabia. Exceto o mais importante: meu coração. Notei que tu não tinhas calor; era óbvio que eras apenas um espírito a vagar pela meia-noite, mas não me parecias somente isso. Tu me atraíra e assim tinha os meus sentidos, voz, ideias, vontades e medos. Conhecera-me por completo através dos riscos que corri em troca de tua manifestação — e fora tamanha manifestação, seguida de profunda indagação, que pude transmitir-lhe pensamentos — e lembro-me que disse-te: "Agora que tens tudo, por que não pára de olhar para o vazio da janela e olha para dentro dos meus olhos? Tu queres liberdade, mas me prende a ti! Como posso pesar em justiça uma resposta para isso? A única forma seria... Me completar, me completar a ti".

Então, por inteiro, me cedi a ti:

— Trago meu próprio coração em tua virtude, e logo terás calor e liberdade. Terás a mim também, mas de outra forma, já que não poderei, aqui e assim, continuar a existir. Encerro minha história agora, e enterro-me nos recônditos de tua alma, pois, não tenho mãos nem pés, e porto apenas metade de meu rosto. Leve-me para onde quiseres — a paixão pela qual me sacrifiquei te salvou. És livre agora. Tens meus pés para ir afora...

19 de outubro de 2012

Acústico

Pancadas, sons distantes, estrondo, ecos incessantes de palavras mortas, gritos e sussurros procuram razão dentro de minha caótica caixa acústica. Minha boca pouco fala; as palavras se refletem em meus lábios, voltam-se para a caixa e lá são moídas e exterminadas. Meus olhos pouco dizem, são insignificantes, fixam-se no espaço à procura de paz e lógica quando precisam apenas repousar sobre o caótico enredo que se desenvolve e se destrói na mesma história. Insignificantes, não são capazes de perceberem a sutil beleza e liberdade existentes no mundo exterior, querem somente olhar para trás e analisarem o irracional tiroteio livre e se petrificarem com isto. Eu não consigo ignorar. Não consigo ignorar minha ausência exterior. Petrificado e consternado procuro lógica interior, mas vejo apenas a bagunça de gavetas espalhadas por todo o chão e uma infinita papelada com textos onde as frases não tem concordância e sentido, jogada sobre elas. A presença de minha ausência me perturba. A falta de sentido me mantem ausente. A presença de minha ausência me perturba. A falta de sentido me mantem ausente...

- O Colecionador de sonhos

Banalizado

Dizem que espíritos habitam em coisas que as pessoas colocam seus sentimentos. Não é difícil perceber que artistas — pintores, músicos, poetas; entre outras funções — trabalham arduamente para transferir parte de sua alma que será eternizada numa folha de papel, canção ou tela. Eles sentem dor, essa repartição dói; cansa o corpo, porém nem sempre traz o alívio. Certas vezes fragmentar a alma é uma necessidade, tendo seus aspectos bons ou ruins. Alguns artistas, de fato, sofrem o fenômeno de verdadeiramente serem eternizados, seja por grandes e memoráveis obras, ou pela atenção e agrado do público. Outros, diferentes destes, porém tão trabalhadores quanto, são esquecidos e abortados; banalizados. Não é difícil notar esta dura e competitiva realidade, pois qualquer indivíduo que expressa seu sentimento — sua reivindicação ou gratidão — como um trabalho chamativo, significativo e simbólico, sabe as dificuldades que teve para efetuá-lo, e também sabe que poucos notarão seu suor, sua alma, ali exposta na arte. Por este ângulo, não podemos duvidar que essa atmosfera realmente exista. Mas a visão que quero lhe despertar não é esta, óbvia e relacionada a outrem, o que quero lhe mostrar é que todos nós somos artistas, ou melhor: todos nós somos trabalhadores. Não é preciso que alguém pinte uma tela ou escreva uma poesia para repartir e eternizar sua alma. Dia após dia, a vontade que excita e nos faz realizar as tarefas obrigatórias e ainda mais um pouco, é fruto duma manifestação não tão diferente da que vimos anteriormente. As pessoas ainda se mobilizam, mesmo que quase anonimamente, para ajudar, construir, conquistar, doar, proteger, enfim, mobilizam-se por alguma causa e não fazem isso porque são obrigados. Essas pessoas são artistas anônimos de uma obra chamada "mundo melhor", e não são reconhecidas, incentivadas, eternizadas, mesmo que por um ato significante na vida de outrem. Essas pessoas, muitas vezes, tendem a ser banalizadas, e por consequência, se tornarem escassas num lugar que necessita efetivamente delas.

— "Artistas banalizados, que fragmentaram sua alma em trabalhos para os quais não foi dada devida atenção. Artistas que perderam parte de sua alma."