31 de janeiro de 2012

Sorrisos alegres e doces

       Eram gélidos, naquela noite, os traços sem alma que descreviam minha face. Face de pedra, cujos olhos apagados de sono procuravam na leitura de um livro alguma peça do sol que não havia brilhado em meu dia. Sem sucesso, percebi que nem mesmo se desse um tempo aos problemas e soltasse um pouco a gargalhada sem sentido, me sentiria feliz. Pois o sorriso que não tem olhos sorridentes não enxerga a felicidade. Adormeci. E de repente nuvens, negras nuvens narravam com trovões os meus sonhos, e trancavam os céus para os olhos de outro homem, que lá no centro do universo sentia-se vazio. Talvez fosse eu, talvez um fragmento qualquer de meus dias.
       Suas pálpebras cerravam bruscamente sua visão, fechavam-se como se na escuridão do próprio avesso estivesse a solução para suas tristezas, gélidas, que não podiam nem chorar, somente sentir calafrios ao cogitarem entre sorrir ou... lamentar. Eis que de tal negrume absoluto emerge um anjo, talvez sem asas, mas de muita luz, e com olhares que se transportavam, perfeitamente em harmonia com seus sorrisos, para dentro de sua alma. Olhares de cílios que foram desenhados com a mesma delicadeza que se desenha uma flor.
      O anjo o fitava, tinha longos e negros cabelos que repousavam sobre os ombros e outras extremidades do corpo, tinha olhos cor de mel e sorria. O homem a encontrara, no desastre de seus dias, na conturbação de seus sonhos, atrás das próprias pálpebras, e descobrira que a felicidade sorria e tinha a essência da doçura do mel. Ah, linda moça - puro anjo, cujo sorriso cura dores. De traços tão delicados quanto cetim de algodão, nas bochechas e no corpo cujo brilho que exala é a extensão do mais belo arco-íris em dias ensolarados, com chuva cristalina azul. E provenientes destes cristais são as jóias de suas mãos, colares de seu perfeito, de suaves contornos, pescoço. Diamantes de um anjo, duma rainha que sorri doce e alegremente, com sinceridade. De silhueta majestosa e de perfeita beleza; rainha cuja coroa é seu sorriso. Ah, um sorriso que cura dores...

Para Rafaela Lima

29 de janeiro de 2012

Errônea criança

Não tentes ser quem não és. É como dar o presente à criança errada no dia de seu aniversário, e outro dia se conformar de que nada és simplesmente pelo fato de não se presentear.

Concreto

O quarto ainda escuro, na jovem manhã, serviu de inspiração para o pequeno poeta. Ouviu caos e trovões do lado de fora e nenhuma tempestade que transformasse os tetos da casa. Entendeu logo que o ser concreto não se modifica em água, nem suas trancas se abrem ao vinho quando não se sabe se é de álcool ou sangue. O teto de madeira de outra casa encharcou-se e corrompeu-se, ninguém mais sabe o que é, mas uma coisa é certa, só não é de concreto porque os homens que vivem nela embebedam-se em vez de devolver aos anjos as célebres palavras que recebem, de saúde e glória. Só não é de concreto porque dali há muito arrancaram sua porta.

Não falar

   Tumultuaste as avenidas de tua alma como noite de juízo final; caos e desordem determinam o começo à última guerra. As ruas agora parecem lotadas, não com pessoas revoltadas, mas com tuas próprias palavras, aglomeradas e inertes. Palavras que prendem e sufocam no silencioso (e doloroso) ato de não falar; que congelam as lágrimas na presença dos outros, e que entre si brigam dentro de ti. Palavras que gritam, gritam alto até que alguém as escute e possam fugir. Mas o som que vem de dentro do corpo não é mais que um silêncio ricocheteando nas paredes do sentimento, ferindo até encontrar o outro lado.
     Por que insistes então em carregá-las até que não haja mais sangue a escorrer? Por que insistes em ser incapaz e fraco, se isolar? Por que cegar os olhos é a solução, quando realmente existe quem morreria, até duas vezes, por ti? Enquanto o tempo corrói, desgasta-se a memória, e a pele se corta, reproduzindo friamente as imagens que te dizem as tumultuosas palavras.  E a alma a observar, como o corpo é, quando pensa sozinho.
     Falar, não falou, mas se deixou sussurrar pelo eco da bala. E consigo levou, no gatilho da arma, não esperada liberdade, mas o peso das mesmas palavras convertido em correntes de ferro. Faleceste pelo próprio silêncio, de não falar, cuja traição feriu pelo gatilho da arma; pelo sussurro inerte das palavras.

27 de janeiro de 2012

Última alvorada

O sol a esquentar os sorrisos
No brilho dos olhos da manhã
Num amar tarde, sem amanhã.

Hai-kai [4]

O som das conchas do mar
A melodia do mar nas conchas
       A partitura das ondas.

Mago poeta II

Correm-lhe sílabas no teto
Fogem pelos pés
E as palavras encantadas
Correm vivas pelo teto
Manchando as paredes, os cômodos
Ora com lágrimas, ora com sangue
Algumas verdadeiras
Outras de tinta poética
Mas tudo um contraste da arte
Ah, uma bela pintura
De sílabas vivas, correndo no teto
Encontrando na amizade
A poesia.

Do outro lado do Fusumá

Há perfume de cereja no ar
Na mesa de mármore, xícaras de chá.
E o vento a varrer as ideias das árvores.

25 de janeiro de 2012

Antithesis Phrenesis XV

Morremos a cada dia
Que não sonhamos um sonho.
              Morremos a cada sonho
                 Que não sonha mais um dia.

13 de janeiro de 2012

O encerramento para o fim.

Um espírito no espaço
Ou uma chama a se apagar?
Dentre tantas outras formas de morrer
Escolheste desaparecer aos poucos
Não sentir dor, mas se deixar sofrer
Por este leve desespero
De morrer
Sentir na pele a areia corroer
E descobrir; perceber que além dos montes
 De poeira (cósmica)
E das vastas e nebulosas
Explosões (químicas) de alegria
Existe outra forma de viver
Além da angústia e da euforia
Longe de programadas emoções
Algo como pisar em sagradas terras
E não precisar optar
Apenas sentir e respirar
A leveza de viver em paz
Como viver no espaço
E ser mais uma chama a se apagar.

Poesia sem estrofes
Uma crônica sem versos!
A esperar do espaço
Onde vive o nada
Uma chance para o encerramento
O fim mais injusto que se pode ter!
Pois em memorial a tua morte
Não lhe é digno uma pedra
Ou um buraco negro.

Deus lhe deu a vida,
E dessa vida fizeste um cometa atoa;
Enquanto estrelas cadentes morrem em seu lugar,
Enquanto a flor da vida
                 nada mais for que um encerramento para o fim,
Não lhe será digno uma pedra ou um buraco negro.

Antithesis Phrenesis XIV

Cortar as a s a s do poema
Com pontuações rígidas em seus versos
- Não permite que ele voe -
Na mente de quem lê.

11 de janeiro de 2012

Da maca, a visão míope de qualquer ser.

Ah, coisas embaçadas
No teto Deus e no relógio o nada
Os ponteiros não passam
Os amigos não existem
Eu queria estar em casa
Mas a vida me convidou
Para uma conversa na estrada.
Na estrada da vida
Nesta curta estrada
Onde eu amaria mais as simples coisas
Onde eu pensaria mais sobre minhas escolhas
Uma reta delicada, que vai até o horizonte
Feita de detalhes infiéis
Apenas nos orientando pelas turvas cores
Da visão da fé
Da visão certa e míope da fé.

Ah, coisas embaçadas...
No teto Deus e no relógio o nada.
O tempo que não passa.

9 de janeiro de 2012

O olhar está no céu e no céu o nada.

Olhe lá, olhe lá
Estrelas estão no céu
Poetas descrevendo a Terra

Discutem cautelosas
A sussurros, a formação
Da grande fumaça
Que ocupa sua visão!

A noite está acalmada
E as estrelas desesperadas
Sem saberem o porquê
De talvez querermos
Nos separar, eternamente,
Da natureza, e destes poetas...

7 de janeiro de 2012

Na chama de um prazer, renasce o caos de uma vingança.

       Vi nascer, crescer e morrer, o nosso amor. Alguns dizem que é eterno: mesmo que se apague, é possível um dia inflamar-se novamente. Mas o meu se queimou. Pegou fogo. Acompanhei-o durante toda sua vida e, o pior de tudo, após sua morte, permaneci vivo (talvez, para escrevê-lo). Vi-o nascer, crescer e morrer; vi-o queimar na chama de uma irreversível frieza, contorcer-se e derreter. E como sempre, assim como cada ferimento que nos deixa uma justa cicatriz, este me deixou "semelhanças" no ar. Semelhanças de traços iguais àqueles da minha amada - de quando me beijava; e acariciava; iguais a cada olhar e sonho daquele momento, que agora se perde no ar. Semelhanças (ardentes) que quando revividas, trazem consigo o câncer da vingança - no interior da própria chama. E encantam: com o prazer de lhe reviver sorrisos felizes como aqueles. E encantam: com o prazer de trazer-lhe a textura de cada beijo. E, de repente, amortecem todo o sentimento - sem dar chances a novas chamas ou prazeres. O que se passou se esfriou. E o que se passa, antes tão fervente como o próprio presente, também esfria-se, e lhe derruba a enorme angústia de não saber mais no que crer. Estatelado no chão de vidro, do tempo, pensa em como todas essas coisas esmaeceram tão rudemente. Pensa na vida, e na morte - e o pior de tudo - vê-se na escolha entre os dois. Simplesmente por corromper-se com a chama, e confundir-se em pensamentos, frutificando o galho seco, com vingança.

"E, novamente recito, na semelhança com meus velhos prazeres, meus olhos queimei na chama, do caos vermelho e da vingança."

Antithesis Phrenesis XIII

Palavras me fervem
No desespero da manhã
Como se um abutre apodrecido
Repousasse na escada…

Rude verdade, doce mentira, ou eterna conselheira?

Novamente, eis-me aqui, arriscando a poesia em forma de prosa. Percorrendo os perigos do sentido sem a benção da inspiração. Talvez me tenha fugido pela orelha, talvez, corrido como um prisioneiro sem rumo ao ganhar sua liberdade. Mas de que me importa agora? Se no tempo em que a tive em mãos, muito me ensinou sobre a escrita, e como escrever… Então, de que me importa?

Precisa de inspiração quem nunca escreveu.