31 de agosto de 2011

Amigo, Poeta

Por que a rendição, amigo?
A vida te enganou?
Se a ausência de tuas palavras
Significasse o esquecimento e o conforto,
Eu poderia dizer que nada mudou.
Elas apenas estão inertes,
Intactas, no mesmo lugar onde as deixou,
Na sala do teu coração (o vazio coração).
Fugira para as montanhas há algum tempo,
Sem avisos, sem voltar...
Por que a rendição, amigo?
A vida te machucou?
Por mais que esteja ferido,
Ela quem lhe mostrou o poeta que se tornou.
E uma vez poeta,
Sempre poeta!

Das porteiras, ainda tens a chave?
Da sombra daquelas árvores
Não sente saudade?
Não deixe que morra de fome,
Que a poesia em ti acabe.

Eu sei que é longa a estrada,
E que por ela encontrou muitos espinhos,
Mas não vale cortar a fala
E que perca teus sentidos
Por uma leve imperfeição
Na aurora do teu destino.
E se foi por isso
Que nas palavras procurou alívio,
Peço-lhe para que volte,
Porque aqui, ou em qualquer lugar
Imperfeições irá encontrar.

Deixaste vasto o poético mundo,
Indignado, o poeta perdido em seu fundo.
Sem das palavras poder provar; sua a interminável história
Terminar...
Vagueando pelos vales da rendição,
Carregando sua incompleta missão.
E eu qui, pedindo por ressurreição.
Amigo,
Volte para a vida,
Para o teu coração.
Por que... a rendição?

27 de agosto de 2011

Dilácero

Não estou a fugir, nem a ficar.
Continuar parado diante do tempo
Ensinou-me, do modo mais eficaz,
A não fingir, a não estancar
O sangue das veias
Que em mim deixaram expostas.

O trabalho sujo e incompleto
da vida, dos anseios incertos,
Nunca me causou tanta dor
Como agora.
Dos nervos, das veias
Precipitados mundo afora.
Dos tendões, das mãos, dos braços
Sem piedade, dilacerados.

Não estou a fugir, nem a ficar.
Proporcione-me no espaço, apenas,
Um lugar onde eu possa morrer
Em paz.
Deixar-se escorrer
Até a ultima gota, e morrer
Em paz.

Uma flor logo brota
E se desfaz
Desfaz-se em espinhos.

"Deixara-se levar
Pelo mais puro veneno
E de qualquer maneira amar
Sofrendo em seu silencio,
Por escolher seu pequeno
E vasto mundo
Para esconder, e guardar,
Uma rosa que se tornou espinho."

Arranca-me, de uma vez, as vísceras!
Para que meu corpo,
Ao se tornar maré,
Não polua tuas qualidades excêntricas.

Dilacere o que restou do coração,
Você tem a chave,
Abra minhas costelas
E arranque meu pulmão.
Sopre-os como mera poeira cósmica
Ao vento, aos braços do vento.

Mera poeira cósmica,
Como sentimentos
Que vagueiam por aí desconcertados
Rumo à uma região inóspita.
Abandonados...

Não estou a fugir, nem a ficar.
Apenas a encontrar no tempo, no espaço,
Um berço onde eu possa ninar,
Esgotar-me do vermelho, sangrar, e morrer
Em paz.
Deixar-se escorrer,
Para que do ventre do sofrimento
Renasça um novo sentimento.
Como uma fênix
Emergir da própria poça de sangue (das cinzas)
E renascer!

25 de agosto de 2011

Eu te amo

Saiba que entre estas três palavras de dois abismos, existem outras mil.

24 de agosto de 2011

O vale da mente

       Quem é este a caçar poemas pela madrugada, regando flores de vastos jardins (passadas histórias)? Que ironia a minha... quem mais seria? Como quem deita para pensar e não para dormir; assim como perder as chaves do carro, da casa... mas muito pior. Pergunto-me por que estou aqui, a resposta logo é simples, "estou preso". Preso num vale deserto, seco e silencioso. Limitado por velhas cercas de madeira, enfeitado de alguns túmulos, dispersamente encantado por sedentas flores que a essa hora já se deitaram novamente no chão. Não importa o quanto você as regue, acaricie ou console, elas nunca resistem saudáveis e verdes, aliás, nesse lugar nem sequer há cor. Dê tudo o que tens e falecerá junto a elas. Por que eu ainda insisto?

       "Acredito que transformações físicas se revertem."

       Meu jardim um dia foi o mais belo, mais verde; todas as manhãs era abençoado pelo sol, às tardes consagrado pela chuva. Porém, certa noite o céu negro cobriu a Terra, e uma violenta tempestade nos castigou por vários dias. Quantos, eu não pude contar. Estive aflito, deprimido, restava-me apenas a oração e o vazio de minha pequena casa que inclinava na direção dos fortes ventos. Dormir eu já não conseguia mais, a própria preocupação tragara o meu cansaço. Sentado na cama, sem sequer a janela poder abrir, esperando a tempestade passar. Até um momento em que eu não resisti.
       Abri os olhos, surpreendido pelo súbito, logo levantei. Havia muita poeira no ar, e o silêncio contínuo me deixara inquieto. Fui à porta, e para minha surpresa, o dia em que o sol não apareceria havia chegado. Aos arredores: montanhas e penhascos, destroços e muita lama, e eu, num vale sombrio. Meu jardim se encontrava revirado, soterrado, e sem consolo algum eu me encontrava num desconcerto fatal. Pensei em largar tudo e fugir dali, mas minha fé em erguer tudo novamente não deixava. Aquelas transformações, como acredito, físicas, mantiveram o passado em meu presente. Transformações reversíveis ao olhar de Deus. Porém sou mero ser, pequeno e trabalhador como uma formiga. Por que ainda insisto?
       Incrível é a capacidade do ser humano, como um parasita, de se adaptar a qualquer lugar. Abraçar as coisas de tal forma, que passe a viver por aquilo, a ser parte de tal. Como duas peças coladas. Mas, e se alguém as resolvesse separar? Certamente alguma sairia partida. Por que então regar lembranças passadas, se Deus não somos, se a vida não é como queremos. Deixe que as velas que sustentas (cada uma que, equilibrada em teus braços estendidos, se desfaz insignificantemente deixando-lhe marcas e queimaduras da cera), deixe que as velas caiam no chão. Não vale a pena que tal ordem do destino faça-o torturar-se e deixar ser marcado no coração. "Guerras e conflitos consigo mesmo são os mais perigosos." Aceite, pois os ventos que nos tiram algo que amamos são os mesmos que nos trazem aquilo que aprendemos a amar. É um dos ciclos da vida...
       Agora, sigo Emfrente, e deixo para trás a bela "pintura" que a vida me fez. De cores vivas, as quais protejo com chave nas gavetas de minha psique. E na passagem entre dois mundos, tudo é cinza e turvo, os cheiros se misturam e nos causam náusea. Mas logo nos acostumamos; ao tocar os pés no trem, vemos que até esta "passagem" é passageira, e que tempo e música serão uma terapia.
       Jardins... de tantos já cuidei, mas para mim só existe um, aquele de que cuido agora. Outros tornaram-se vales, impróprios para cultivo e para o meu presente.
       Mesmo que as transformações físicas sejam reversíveis, como se todo passado fosse um presente alterado, não cabe a mim modificar. Apenas, em silêncio, deixar o vale às garras do vento, e partir para um novo jardim.