25 de julho de 2012

Sonolência

Uma insondável miragem que surge e causa febre nos olhos, trazendo à mente violentas e incoerentes imagens do passado breve, que adoece, repentinamente, como se a cada instante as loucuras levemente se apagassem e a noite subitamente encerrasse, dando início a outro surto de imagens. Fecham-se os olhos, como sempre, a acreditarem que são o túmulo de alguma fênix.

Vertira

Um fato aos lábios dos olhos
Se diz fato porque é certo
O fato na boca do cálido
Fervente pela emoção sentida
Se diz fato porque fora manipulado
E se faz pálido
Diante de toda multidão
Que o estica e o distorce
Espalhando o fato
Sem saber se realmente foi fato.

- O céu vermelho

Concreto

Obtuso e concreto
A distinguir as teorias das práticas
A descobrir que a razão da vida e da morte
Se dá num resultado diferente de Espírito
A entender "melhor" a ciência
E concluir que cada coisa tem seu lugar
E deixar despercebida a ideia
De que nada, absolutamente nada
É distinto.

- O céu vermelho

Carrossel

Estalidos nostálgicos
Recheados de risadas e aplausos
Ecoam pálidos na caixa
Da mente vidrada.

Olhos de porcelana,
Como detalhados olhos de criança
Congelados por uma "fábula cruel"
Despedaçam-se para deixar,
Talvez, lugar para a razão
Despedaçam-se, talvez,
Para dar olhos a outra criança.

- O céu vermelho

Ingloriosa Majestade

"Ventanias de norte a sul"
Clamam eles
Para que não seja tomada
Sua felicidade
A ser preenchida por culpa e pecado.

"Correntes frias de agreste"
Clamam eles
Para que não sejam esquecidos
Em angústia e desgraça
Em justiça e desprezo.

A carteira sem razão
Agora só alimenta a ilusão
De que cedo ou tarde
Escutados serão pela Majestade

Fogem de sua natureza real
Para ajoelharem e fazerem as preces
Onde está seu deus, agora?

- O céu vermelho

Arcanjo industrial

Canções perdidas com a sirene industrial
Se foram com a salvação vendida
Para uma porção de carnicentos
Com repúdio de uma aberração infernal.

- O céu vermelho

O céu vermelho

O tempo a marcar no relógio sete horas
Os carros a recuarem do dia,
Do centro, intenso de trabalho
É sexta-feira
Apesar da sonolência,
Alguns operários arriscam uma ou duas bebidas
Antes de irem para casa.

Clima quente, depois dum dia chuvoso como este.
Clima quente, depois do dia exaustoso, e do pôr do sol,
Que deixara o céu à deriva das cores.

A cidade agora tem gente
Para gastar o que ganhou
Há quem pague
Pelo preço de quem vende o que sonhou.

O céu vermelho
Meia-noite; os ponteiros no céu
Alguém com medo
Meia-noite e meia
O engenheiro a parar o Carrossel.

Noite e meia, sem carrossel
Só fumo e sonolência
E corpos nus com mel.

- O céu vermelho

19 de julho de 2012

Rota 66

Um tigre sobre quatro rodas
Na estrada do deserto
A 150 quilômetros por hora
Viaja ao som das guitarras
E das palavras
Que se dissolvem no vento
E na cor da aurora.

Amarelo, azul, laranja e rosa
São as cores da prosa
De um céu azul
De um sabor sem forma
Da velocidade ao ruído
Dessas imagens passadas
      Embasadas
Que passam rápido
Até que sua ausência o possa alcançar
A 150 quilômetros por hora.

18 de julho de 2012

Hai-kai [5]

Estranha valsa no gingado das árvores
Que balança os eixos da Terra
Para equilibrar a morte na guerra.

12 de julho de 2012

O fogo que queima é o mesmo que consome

Um grito
No calabouço dos sentimentos ocultos
A ressuscitar o cadáver das sombras
Em couraça de inquebrável ferro

Um grito
A resgatar outros gritos
Inertes no opaco eco do chão
Em couraça de inquebrável ferro

Eis que se inflama a questão
No súbito relâmpago das trevas do pensamento:
Como pretendes, então, ir ao inferno
Sem que ao cálice de sangue
Leve teus lábios sedentos?

Como pretendes, da cela que te protege,
Tocar os delicados pontos do pentagrama e
Inverter o que te julgam errado para fazer o teu certo?

Não há vitória sobre a vingança
A vingança é a vitória
Cujo preço custará os exatos ecos
Que ressuscitaste do chão
Do cemitério oculto
No interior do tórax; do coração sem rumo.

Serás apenas outro grito
A desejar violência
Sem que da couraça saia
Para dançar no inferno.

Incoerência

Um acidente, uma perda
E um filho
Nascido e consagrado a
Deuses ou espíritos
Desconexos, feitos de
Discrepâncias hediondas
Signos de incoerência
Repletos de erros e irreverencias.

Uma perda; um filho
Nascido nas condições erradas
Para ser perfeito para o mundo
A portar habilidades
Estranhas ou inúteis
Tais como refletir
E dominar a tal da arte
De compor e recitar
Quiçá um alerta em desuso.

- O Colecionador de sonhos

11 de julho de 2012

(2C2H6O+9O2=4CO2+12H2O)²

Toneladas de chaga
Com palavras pesadas
Na mente, na alma
De uma veia inflamada
De um corpo queimado
E arrastado pelos ganchos
De uma simples levada
De incoerência e dormência
Dissonância e vapor
De sangue borbulhante
Escaldante calor
Que asfixia — estanca terror
Abaixo de sete meras
Esferas e patamares
De esperança que já se foi.

10 de julho de 2012

Dormência

Certo era que seus dias não abordavam grandes certezas sobre o mundo, mas ainda não suspendera a razão, sabia que ali, talvez bem debaixo de seu nariz, existia algo que ninguém conhecia. Uma peculiar fissura, sutil e delgada, a existir despercebida, recostada onde ninguém perceberia. Fissura esta que já se acomodou e fez-se dormência na cabeça de todo mundo.

- O Colecionador de sonhos