24 de agosto de 2011

O vale da mente

       Quem é este a caçar poemas pela madrugada, regando flores de vastos jardins (passadas histórias)? Que ironia a minha... quem mais seria? Como quem deita para pensar e não para dormir; assim como perder as chaves do carro, da casa... mas muito pior. Pergunto-me por que estou aqui, a resposta logo é simples, "estou preso". Preso num vale deserto, seco e silencioso. Limitado por velhas cercas de madeira, enfeitado de alguns túmulos, dispersamente encantado por sedentas flores que a essa hora já se deitaram novamente no chão. Não importa o quanto você as regue, acaricie ou console, elas nunca resistem saudáveis e verdes, aliás, nesse lugar nem sequer há cor. Dê tudo o que tens e falecerá junto a elas. Por que eu ainda insisto?

       "Acredito que transformações físicas se revertem."

       Meu jardim um dia foi o mais belo, mais verde; todas as manhãs era abençoado pelo sol, às tardes consagrado pela chuva. Porém, certa noite o céu negro cobriu a Terra, e uma violenta tempestade nos castigou por vários dias. Quantos, eu não pude contar. Estive aflito, deprimido, restava-me apenas a oração e o vazio de minha pequena casa que inclinava na direção dos fortes ventos. Dormir eu já não conseguia mais, a própria preocupação tragara o meu cansaço. Sentado na cama, sem sequer a janela poder abrir, esperando a tempestade passar. Até um momento em que eu não resisti.
       Abri os olhos, surpreendido pelo súbito, logo levantei. Havia muita poeira no ar, e o silêncio contínuo me deixara inquieto. Fui à porta, e para minha surpresa, o dia em que o sol não apareceria havia chegado. Aos arredores: montanhas e penhascos, destroços e muita lama, e eu, num vale sombrio. Meu jardim se encontrava revirado, soterrado, e sem consolo algum eu me encontrava num desconcerto fatal. Pensei em largar tudo e fugir dali, mas minha fé em erguer tudo novamente não deixava. Aquelas transformações, como acredito, físicas, mantiveram o passado em meu presente. Transformações reversíveis ao olhar de Deus. Porém sou mero ser, pequeno e trabalhador como uma formiga. Por que ainda insisto?
       Incrível é a capacidade do ser humano, como um parasita, de se adaptar a qualquer lugar. Abraçar as coisas de tal forma, que passe a viver por aquilo, a ser parte de tal. Como duas peças coladas. Mas, e se alguém as resolvesse separar? Certamente alguma sairia partida. Por que então regar lembranças passadas, se Deus não somos, se a vida não é como queremos. Deixe que as velas que sustentas (cada uma que, equilibrada em teus braços estendidos, se desfaz insignificantemente deixando-lhe marcas e queimaduras da cera), deixe que as velas caiam no chão. Não vale a pena que tal ordem do destino faça-o torturar-se e deixar ser marcado no coração. "Guerras e conflitos consigo mesmo são os mais perigosos." Aceite, pois os ventos que nos tiram algo que amamos são os mesmos que nos trazem aquilo que aprendemos a amar. É um dos ciclos da vida...
       Agora, sigo Emfrente, e deixo para trás a bela "pintura" que a vida me fez. De cores vivas, as quais protejo com chave nas gavetas de minha psique. E na passagem entre dois mundos, tudo é cinza e turvo, os cheiros se misturam e nos causam náusea. Mas logo nos acostumamos; ao tocar os pés no trem, vemos que até esta "passagem" é passageira, e que tempo e música serão uma terapia.
       Jardins... de tantos já cuidei, mas para mim só existe um, aquele de que cuido agora. Outros tornaram-se vales, impróprios para cultivo e para o meu presente.
       Mesmo que as transformações físicas sejam reversíveis, como se todo passado fosse um presente alterado, não cabe a mim modificar. Apenas, em silêncio, deixar o vale às garras do vento, e partir para um novo jardim.

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