27 de março de 2010

Memórias


Espelho ferido,
marcas que recordam o passado.

Sou prata velha; espelho frágil que trinca ao ser afetado pelas pedras atiradas de lá,
do passado.

Mente fecha-se para si, e escorrem dos olhos as emoções.
Emoções boas e ruins,
felicidades vividas e feridas expostas; a tristeza.

Sou vidro, a janela rígida que nada reflete,
deixo penetrar e atravessar as recordações desvalorizadas.
Como os raios solares.

Mas me afeta cada vez mais, as pedras.
Não sou imune à história, não sou blindado,

por isso,

afim de proteger-me, não sou mais o vidro,
transformo-me em prata, e me torno o velho espelho.

Do simples transparente para o tom de prata,
amarelecida pela mente que volta a ser antiga, enferrujada.
E ainda que trincado, reflito muitas lembranças.

Contudo, ingênuo eu sou...
Como pude por em mente que a prata, o espelho,
petrificaria-me e me protegeria das pedras?

Não sou escudo. Apenas vidro refletindo.

O passado me tenta, logo ponho a mente na linha daquele dia que não é hoje.
Talvez ontem, talvez anteontem, anos distantes, quem sabe?
Vivendo novamente aqueles momentos eternos e contínuos.

Sinto o cheiro do perfume daquela moça.
Vejo a criança que não existe.

Confesso: Espelho é tão frágil quanto janela.

Não quero recordar, mas as imagens não me deixam ver o presente.
Não quero recordar, e assim as pedras farão do meu vidro apenas estilhaços.

E agora, desliza-me no rosto a história, estampando os traços de felicidades e tristezas.
Cabeça lá, não aqui. Estou cego.

Pulo do sofá, corro para o quarto, fecho as janelas,
Corro para lá e para cá, trancando tudo, no desespero,
afim de proteger-me do passado, ouço as pedradas, as vozes antigas.

Não quero recordar, somente o presente é que me importa.

Olho para fora, vejo a rua estreita, pinheiros à frente, a cachoeira que se desmorona ao rio mais próximo.
Olhe, o lindo jardim aos pés de meu lar!

Mas espere, o que está acontecendo?

Ferrugem come as extremidades,
sei que vidro não enferruja,
nem prata, então o que é?

Não vejo mais o jardim, não vejo mais a rua estreita, nem a cachoeira, nem os pinheiros!
A vista embaça e oscila,
olho para a janela, tonto, e apenas vejo os buracos avermelhados marcados no espelho,
e meu próprio reflexo.
Meu lar tornou-se espelho, afim de proteger-se.

Ingênuo eu sou.

Ventania tão forte é essa que derruba meus moveis,
e a mim também.

De onde vem?
Está tudo trancado, mas cortinas brancas continuam a balançar na presença das janelas fechadas,
que agora são espelhos.
Tudo se esvai, tudo cai.

E em minha própria casa,
surge gente que não é gente, é fruto da mente, é essencialmente imaginação.
Vejo a cor do passado, vejo a sépia!

Estou cego, não vejo o presente em mim.

Os vasos de flores, apenas meus vasos de flores não se despedaçam no chão,
continuam intactos,
as belas florzinhas, amarelas e de cabo verde, balançam ao vento suavemente.

Não entendo, estou trancado numa casa de espelhos,
casa que reflete ela mesma.

Situado dentro dela,
nesta ventania que devasta meu ser.
Mente virada ao passado,
refletindo ela mesma.

Seria isto o contrário de uma mente aberta?
Sempre virada para o que não existe, o passado?

O único caminho para superar isso...
a tentação que te faz voltar àquele momento,
ou a consciência força-te ir àquela culpa que te pesa... é ignorar.
Deixe que as pedras rachem e destruam teu vidro,
não se preocupe, reconstrua-o depois, com novidade.

Não transforme-se no espelho.

Literalmente de janelas abertas: mente aberta para coisas novas.

"Continuo a querer sempre viver no presente, sem viagens ao passado,
sem transformar-me em espelho.
Declaro isso porque o hoje não se repete, e o ontem não importa."

Nenhum comentário:

Postar um comentário