18 de setembro de 2011

Velha Casa

       Embora a catarse não tenha atingido, o atormentador espírito do cárcere o deixou. Embora lhe rasgassem o peito com agulhas, traçando os nomes de seus infernos, consta entorpecido, mesmo que no deserto, entorpecido e em paz.

       Dias atrás estivera dentro de um dos seus purgatórios, uma velha casa de madeira. De certa forma, uma infecção, corrompida pelo contágio de fortes energias; interrompida pelas garras da própria sina. Em seu interior ouvia-se um som latejante, efêmero e infinito como de cristais energizados pela lua, que por um toque, soam dias e noites cantando incessantemente como o vibrante "sol" do violão. Velha e bamba casa, que pendia certas vezes para um lado, depois para o outro. Indecidida e suspensa sobre a vida e a morte numa fração irresolvível.
       Entorpecida de dor, temia que tocassem em suas paredes que, contraídas e envergadas, gemiam emitindo um rangido ensurdecedor. Triste e vazia casa, que por um longo tempo fora o lar de um casal. Antes era bela, bem decorada, aconchegante e perfumada. No momento, mal se podia respirar. Era quente e abafada. Enxergar com nitidez também era difícil, o ambiente fazia-se turvo como se um denso gás ali pairasse e embriagasse a todos que nela entrassem; derrubando-os numa depressão melancólica a ponto de arrebatar a vida.
       Caminhava sem medo, com calma, pelo corredor que dava para a sala principal, e consigo, carregava uma garrafa de álcool. No caminho, um dos outros cômodos lhe chamou a atenção. Visitou aquele quarto, parou no tempo e deixou acontecer. Deixou as lembranças acontecerem, como hologramas perfeitos, sobre seu olhar. Deixou-se consumir por um instante, deixou-se levar numa viagem torturadora com altas doses de nostalgia; numa frequência inimaginável. Sentiu a sensação de olhar para trás e querer abraçar tudo aquilo que não era memória, mesmo que por um momento (eterno e descontínuo); de precisar desfazer-se em lágrimas, perder a razão; clamar por suicídio, envolver-se naquele gás mortífero e transformar-se numa partícula. Observava cada movimento, olhar (como se vivesse entre estes), e ouvia cada palavra como se ecoasse de um lugar distante e sombrio do seu consciente. Formas irreais que a cada segundo, com seus gestos e formas, intensificavam a transformação de amor em revolta. Aquelas formas irreais, simplesmente irreais como cristais energizados pela lua, efêmeras e infinitas, aos poucos se deformavam.
       Abaixou a cabeça, enxugou os olhos com as costas das mãos e virou-se devagar. Tornou para a sala, o coração da casa, indiferente de qualquer outro espaço vazio. Pensou um pouco, consternado, e se desfez, libertando todas aquelas lágrimas que aprisionava, aos prantos. Folheou as páginas daquele velho capítulo, revirou a casa de seus pensamentos e, sem hesitar, derramou o álcool em abundância, alagando o chão seco da sala. De repente, uma entre muitas lágrimas, dispersa em seu rosto, escorreu flamejante. Carregada de fortes emoções, mas transparente como todas as outras. Bastou que tocasse o chão, e o fogo nasceu, proliferando-se rapidamente. Chamas enriquecidas de liberdade que consumiam a sala, logo, alastraram-se vorazmente por toda a casa, envolvendo-o também (o prisioneiro que se libertava). O fogo se espalhou e assim envolvia toda a casa que, emitindo ensurdecedores ruídos, aparentemente gritava. Porém, não durou muito, o silêncio gradativo anunciou a chegada do seu fim.
       Queimava ali a velha casa de madeira, infecciosa e doente, que por pouco não devorara o coração de quem nela viveu. A "velha" casa, como um parasita habitando o coração, que infeccionaria dali até a morte.

       "Por mais que o fogo ainda arda dentro de ti, não te deixes abater, pois o inferno já se apagou."

       Embora a catarse não tenha atingido, com o fogo do próprio inferno, deixou cinzas sem lembranças. Mesmo que com malditos nomes costurados no peito, o que importa agora... É continuar em paz...

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